O POBRE EXECUTIVO RICO! ( PRAZERES RASOS).

Ego equilibrado, mente saudável! Como é triste ver um ser humano com valores fúteis e vazios, encobertos por um ego inflado, doente, desconectado de sua primeira natureza. Na nossa sociedade isso acontece com frequência. O que impulsiona esse tipo de pessoa é a baixa auto estima. Precisa se sentir importante e admirado por todos. Tem uma desmedida necessidade de fazer sucesso e fama. Ganhar muito dinheiro também fortalece esse tipo de ego. Valores que foram estimulados exageradamente em sua educação, sem a necessária conexão com o seus sentidos. A sociedade também estimula e valoriza muito esse tipo de caráter. Alcançar metas, sem dúvida alguma, é essencial e faz parte do crescimento pessoal, porém, esse crescimento  deve estar integrado ao nível emocional do indivíduo. Quando não há essa integração pode acontecer uma ruptura entre o “SER E O TER”! Não podemos trair a nossa essência. O preço a pagar é muito alto. Quando o coração deseja e se cala, o mental se torna soberano.  Tragédia anunciada! Os sentidos devem ser ouvidos, considerados e ponderados diante da realidade. Essa integração do mental com os desejos facilita a realização das escolhas assertivas. É uma porta aberta na busca da plenitude. Tudo que traz  felicidade nasce de dentro do peito! O problema acontece no momento em que se confunde prazer com felicidade. “Felicidade nasce no coração. Prazer vem de fora para dentro”. Prazer fortalece aparentemente o ego. Quanto mais baixa a auto estima, mais inflado fica o ego com aquisições externas. “Ego inflado”. Ele não tem contato com os desejos genuínos. A pessoa  tem a falsa sensação de ser forte e poderosa. Na realidade não preenche o coração. Está doente e não sabe! Com o passar do tempo, o vazio do coração pode começar a incomodar. Nestes momentos é que podem entrar as drogas e tudo aquilo que se apresente como alívio e cause prazer. É uma tentativa de preencher as frustrações de um ego frágil. Recebi em minha clínica, há cinco meses, Sérgio Francisco. Quarenta e dois anos. Importante executivo de uma multinacional. Sua queixa era o aparecimento de uma súbita depressão, que estava teimando em vir com mais frequência. Ficou assustado. Segundo ele, não havia motivo palpável. Homem racional, articulado e de raciocínio rápido. Boa presença. Sua fala expressava entusiasmo com a vida agitada que sempre viveu. Tanto pessoal, quanto profissionalmente. Muita bajulação e festas. Sucesso no cargo que exercia. Uma boa conta bancária. Não se conformava de não ter controle sobre essas crises. Sempre conseguira controlar tudo! Enquanto falava, expressava um sorriso sedutor. No entanto, em seu olhar, notei a presença de uma  energia parada. Expressão de muita tristeza. Os olhos negavam a euforia que suas palavras tentavam me transmitir! Era de um vazio profundo! “Olhos reveladores”! Sérgio Francisco falava rápido, num tom alto, esboçando um sorriso meio irônico. Respiração acelerada. Transparecendo toda a ansiedade que tentava esconder. Fiquei ouvindo-o por um longo tempo. Até que deu sinais de esgotamento. De repente, o homem falante, poderoso e importante foi se desmanchando e surgiu um abatimento, um cansaço de se expressar. O ritmo e o tom de sua voz foram diminuindo. Uma prostração física. Ficou transparente a fragilidade interna, encoberta pela estrutura de seu caráter. Tentei com muito cuidado entrar em contato com o enorme vazio que senti em seu peito. Busquei novamente o seu olhar. Ele correspondeu e focou no meu. Ficamos assim por alguns instantes. Convidei-o a se posicionar em seu eixo; também me posicionei. Iniciei uma respiração onde ele entrasse no mesmo ritmo. Foi rápido. O peito se abriu. O menino carente chorou, deu as caras! Chorou soluçando. Pediu socorro! Conseguiu trazer à luz  tristezas contidas há tempos. Nesse momento começou a ser verdadeiro. Iniciou a narrar a sua historia. Retirou a máscara que sempre usou tão bem no social. Parecia outra pessoa. O oposto da imagem de poucos instantes atrás. Revelou mazelas e fraquezas. Bem diferente do início de nossa conversa. Conseguiu falar da sedução que ele sabia que exercia sobre as pessoas e que isso sempre o envaideceu. Principalmente com as mulheres. Sabia que era vaidoso e cheio de caprichos baratos. Isso lhe dava prazer. Adorava trocar de mulher. O relacionamento mais longo que teve não durou mais que seis meses. Gabava-se disso. A oferta era maior que a procura, segundo ele! Sua verbalização traduzia um certo desprezo pela figura feminina. Permanecia na relação enquanto o prazer sexual estivesse alto e ele pudesse exibir a sua presa em seu meio social. Não gostava de falar sobre sentimentos com essas mulheres.  Era um monte de “blá, blá, blá”. Perda de tempo. “Mulheres são cansativas”! Amigos? Tão doentes quanto ele! O início da crise chegou inesperadamente.  Estranhou que profissionalmente andava muito irritado. Muita cobrança! Muitas reuniões. Decisões importantes. Uma rotina chata. Chata demais. Essa sensação surgiu do nada! Nos últimos tempos começou a se estressar com tudo. Não conseguia mais ter o prazer de antes. Sentia-se como uma máquina. Era como se as coisas tivessem perdido o sentido. Não entendia o porquê! Tudo sempre  pareceu estar tão bem em sua vida. Pensamentos estranhos começaram a emergir! Vontade de fugir de tudo aquilo que  representara tanto para ele. Pensava: “de que adiantava tanto dinheiro? Tanto luxo e vida fácil? Tantas mulheres fúteis?”. Definitivamente não era isso que queria para a sua vida. Estava infeliz! Sensação de estar sendo sugado por todas as pessoas tóxicas que o cercavam. Ambiente vampiresco! Relações superficiais. Interesseiras. Não, não queria mais isso em sua vida. Percebeu que não tinha fontes de afetos. Alguém em quem confiar de verdade. Buscou respostas internas e concluiu que deveria se auto-resgatar. Não queria acabar como um molambo entregue às drogas. Superando suas resistências, foi ao psiquiatra. Diagnóstico: início de depressão. Receitou calmantes que ele se negou a tomar. E a  depressão reincidente. Mais intensa. Num desses dias em que estava mal, deprimido, tentando sair desse quadro, aceitou o convite da turma dele para uma noitada. Não tinha outros amigos! Na festa topou experimentar drogas. Começou pelas mais leves, na ilusão de se sentir melhor. De início até sentiu um certo alívio. Funcionava como uma válvula de escape dos pensamentos e sensações ruins. Durava pouco esse alívio. Nova crise. Mais drogas. Depois desse dia fatídico, adotou a droga como companheira. Era como uma bola de neve. A necessidade de fuga se intensificando e aumentando a dependência química. Novamente o mesmo quadro emocional se repetindo! Começou a faltar aos compromissos profissionais. Não tinha vontade e nem energia suficiente. Foi ficando angustiado. Não  sentia mais prazer com nada. Se auto destruindo cada vez mais! A sensação de poder que as drogas lhe dava foi sendo substituída por falta de vontade de viver. Fundo do poço! Perdendo a identidade. Sentia-se como um  zumbi. Não conseguia mais trabalhar em condições normais. Nem participar das intensas reuniões da empresa. Foi se tornando desconectado e sem interesse pelos negócios. Nesse estado grave, foi convidado pela presidência a tirar férias e se tratar. Precisava se cuidar. Ele era muito bem conceituado. Tinha que recuperar a saúde para sustentar-se no cargo! Nessa altura de seu relato, expressou num tom baixo, que precisava mudar de vida. Não suportava nem  pensar na empresa e naqueles “amigos”. Relatou que seus pais, especialmente a sua mãe, fez com que ele sabotasse o desejo de ser músico. Quando criança aprendeu piano. Insistiu que tinha esse desejo. Que nada! Falavam que era muito difícil ser um pianista famoso. Ter um bom nível de vida.  Ele não conseguiu reagir à força manipuladora dela sobre ele. Como ele era bom em matemática, ela fez a sua cabeça! Administração ou economia. Ótimas escolhas. Qualquer uma dessas! Ele relutou, mas a mãe venceu. “Ela sempre tinha razão!”. Tornou-se um grande profissional na área de finanças. Fez de acordo como que lhe ensinaram na vida! Uma grande empresa seria o lugar certo para exercer seu poder de persuasão e comando. Ganhar dinheiro. Traços fortes de seu caráter, segundo a mãe. Ela insistia nisso. Sentença cumprida. Sua mãe sempre subestimou a grande sensibilidade e vocação dele pela música. Gostava de falar da grande inteligencia que ele tinha pra todo mundo. Ele  estava acostumado a obedecer. Queria que seus pais tivessem orgulho dele. Reprimiu raivas, sem se dar conta. Não foi atrás de seu sonho. Assim se tornou o Sérgio Francisco um executivo exemplar, com todas as qualificações que a família esperava dele. “Quando traímos a nossa primeira natureza, a vida não nos perdoa”.  Fica uma culpa inconsciente. Até que a crise brava chegou. Aqueles valores caíram por terra. Auto-destruição! Em algum ponto interno houve uma luz que o conduziu. Teve tempo de perceber que andou visitando as barreiras do inferno. Uma nova opção de vida se fazia necessária. Desta vez teria que encarar a velha senhora! Estava diante de uma única escolha: QUERIA SER FELIZ!

FILME DE TERROR! ( MOBILIZAÇÃO DO MEDO).

Porque será que apesar de ter medo, quase toda criança adora filmes de terror? É curiosa essa posição psicológica no comportamento infantil.  No seu aparato psíquico há um intenso conteúdo de emoções e fantasias, pertinentes à própria fase. ” Medo e fantasia do medo”! Esses aspectos, se estimulados em grau elevado, podem deixar a criança num estado vulnerável e frágil diante de seu momento de vida, aumentando ainda mais suas fantasias de medo. Criança tem também uma certa atração pelo medo. Nessas vivências, ela alimenta a sua curiosidade e descarrega tensões. Num grau apropriado à sua faixa etária pode funcionar como uma válvula de escape de uma gama de energias contidas em seu mundo intra-psíquico. Crianças até uma certa idade estão num estágio muito concreto diante dos fatos. Não tem noções amadurecidas sobre tempo e espaço. Sua capacidade de elaboração psíquica fica muito no aqui e agora. Há duas semanas chegou em minha clínica uma mulher chamada Beatriz. Veio falar de seu filho Marcel, de nove anos de idade. Precisava de ajuda! Em seu relato dizia que teve uma enorme preocupação em ser uma boa mãe e que isso refletisse saudavelmente na formação de seu filho. Se auto- cobrava muito. Segundo ela, aparentemente, tudo sempre esteve perfeito. Marcel tinha uma boa saúde. Amiguinhos na escola. Uma criança normal. De uns tempos para cá ele começou a manifestar um   comportamento diferente. Ficou mais introvertido e revelando certa ansiedade. Há duas semanas, bem no meio da madrugada ela ouviu um grito repentino. Muito assustada correu até o seu quarto de Marcel. Ele estava com uma expressão de pavor, suando frio e paralisado. Aquele quadro desestabilizou Beatriz. Abraçou o filho, bem apertado, e assim ficaram por longos minutos. Depois de um tempo abraçados, tudo voltou ao normal. Adormeceram agarradinhos! No dia seguinte, aparentemente tudo estava bem. Só que daquela  noite em diante, esse quadro foi se repetindo quase todas as noites. Ele sempre se acalmando com a presença da mãe  e com seus beijos. Sua  preocupação aumentou na noite que antecedeu a sua vinda ao meu consultório. Naquela madrugada Marcel teve um agravamento desses sintomas. Uma crise intensa e mais prolongada. Diante disso, ela, assustada, veio buscar orientação. Percebeu ele mais calado durante a última semana, mas não relacionou com as crises. Quando ela perguntava se estava bem, ele sempre respondia que sim. Beatriz tinha dificuldades de aceitar que houvesse problemas com o filho. Segundo ela, isso começou do nada. Estava tentando buscar o motivo pelo qual o seu menino não estava bem. Ela estava visivelmente alterada e falando muito rápido. Comecei a investigar primeiramente sobre o clima emocional dentro de casa. Como andava o relacionamento dela com o marido. Do pai com o menino. Na escola. Esses são aspectos muito importantes para a saúde psicológica da criança. Nesse momento ela me respondeu que o casal vivia como se fosse uma ” lua de mel”.  Que tinham optado em ter só um filho pra sobrar mais tempo para ela e o marido namorarem muito! Como mãe, sempre fez de tudo para que seu filho crescesse saudável e feliz. Sacrificou-se! Muitas vezes comprou presentes caros, comprometendo o orçamento do mês. Fazia questão de mimá-lo e satisfazer até o seu menor desejo. Na escola, que ela soubesse, estava tudo bem. Não podia se sentir culpada! Estava inconformada. Na verdade estava sentindo que falhou como mãe. Esse aspecto estava vindo como prioridade em seu depoimento. “Como o seu filho tão bem cuidado tinha ficado doente?”. No transcorrer do nosso papo indaguei-lhe sobre o dia-a-dia de Marcel. Seus gostos e hábitos. Alimentação. Atividades físicas. Hora de dormir. Brincadeiras. Tudo sobre sua rotina. Ela expressou uma certa interrogação no olhar, como se eu tivesse duvidando de sua capacidade de educar. Relatou que selecionava com cuidado as refeições para não serem calóricas demais. Não entedia porque ele estava meio gordinho! Não podia ser o chocolate “pequeno” que ele comia após as refeições. Mantinha sempre um mesmo horário em tudo. Tarefa escolar pronta? Momento de brincar. Daí valia a escolha de Marcel. Atividades físicas, só na escola. Todos os dias, nos momentos de brincar, ele queria mesmo os joguinhos eletrônicos. De preferência com muita ação. Violentos! Invariavelmente ela permitia. Disse que sentia o maior prazer ao ver a “felicidade” dele sempre que conseguia destruir o inimigo. Continuando com o seu relato,  num tom de orgulho, falou que seu homenzinho amava filmes de terror, também! Eles assistiam juntos quase todas as noites. Sempre o filme escolhido por Marcel. Normalmente após o jantar. Já tinha virado um vício! Ela fazia questão de assistir com ele. Achava a maior graça quando. em algumas das cenas de medo. ele fechava os olhos e se agarrava nela. Adorava acolhe-lo nesses momentos. “Parecia um bebê”! Esse era o momento mais cúmplice deles. Miguel, seu marido, trabalhava até tarde. Marcel esperava o pai chegar em casa. Invariavelmente, assim que ele  chegava, dava um beijo rápido no filho e ela e o marido colocava o filho pra dormir. Perfeito, segundo ela! Depois disso, tempo para os pombinhos. “Beatriz em sua fala, expressava  uma preocupação anormal em nunca frustrar o filho e nem o marido”. Não aguentava vê-los tristes ou aborrecidos! Assim que Marcel adormecia ela estava disponível totalmente para o marido. Iam direto para a cama. Mesmo ela não gostando de fazer sexo antes do jantar. “Era obrigação dela como mulher!” Vivia pra satisfazer seus dois homens! Num certo momento, interrompi o nosso papo. Percebendo sua fala e respiração muito aceleradas e tensas, propus respirarmos juntas.  Numa posição de eixo, sentadas com a coluna ereta, apoiadas no cóccix, “inspiramos e expiramos”! Ritmo pausado. Assim ficamos por alguns minutos. Foi salutar! Seu rosto mudou de expressão e se encheu de energia. Depois disso ela conseguiu me escutar e coordenar melhor as idéias. Retomamos. Terminando o seu relato, expressou uma expectativa muito grande em me ouvir. Expliquei-lhe como joguinhos  eletrônicos em excesso podem ser nocivos ao sistema cerebral e emocional. Estimulam pontos importantes e inconscientes. Disse que, na idade de Marcel, há uma gama incrível de fantasias sobre o medo e do próprio medo.  Expliquei que a relação entre a excitação que os joguinhos provocam e os filmes de terror, vistos continuamente, podem gerar uma super dose de estímulos psicoemocionais, numa criança na idade do filho dela. Essa poderia ser uma das causas do quadro emocional que ele estava apresentando. Cenas contínuas de disputas, de agressividade e do  estímulo do medo podem mobilizar emoções contidas e fantasias intensas. Nessa fase há dificuldades de processamento bio-psíquico dos sentimentos. Podem surgir desorganização energética resultando nos diversos quadros de ansiedade, em seus vários níveis. “A criança absorve o medo e não o processa adequadamente”! Isso vai melhorando de acordo com o amadurecimento do sistema psíquico. Absorve as sensações e quando muito intensas, não consegue processar de acordo com a realidade, mobilizando emoções e compensando com fantasias internas. Claro, a ansiedade pode estar também relacionada a outras experiencias vividas. Sugeri  mudanças básicas no padrão de diversão de seu filho. Substituir por brincadeiras criativas e esportes ao ar livre. Preservar muito o contato do amor! Amor de contato quente e firme. Super proteção não é amor! Se ainda assim não houvesse melhoras num curto prazo, tinha um caminho muito salutar: ludoterapia. Através de jogos e desenhos a criança se expressa melhor! Consegue trazer à luz situações emocionais que não conseguiria verbalizar. De repente, Beatriz me interrompeu. Esboçando um sorriso meio amargo expressou baixinho: – Acho que não fui boa mãe! Repetiu várias vezes a mesma frase. Em seguida, continuando, disse que sempre se cobrou muito na educação de Marcel. Não estava aguentando a angústia em perceber que tinha errado. Tinha apostado que satisfazendo todos os desejos de seu filho e evitando frustrações, estaria fortalecendo o seu psicológico. Nunca tinha se questionado sobre se joguinhos e cenas de filmes de terror poderiam desequilibrar o emocional de seu filho. Na verdade, ela estava profundamente frustrada. Se auto cobrava muito. Enquanto se colocava, veio abruptamente um choro contido por soluços que me diziam de sentimentos presos em seu peito. Entendi que não era só a sua auto-cobrança como mãe, mas, principalmente a rigidez com que encarava essa função. Rigidez com que encarava a vida! Percebi outras frustrações que não poderiam ser tocadas naquele momento. O quadro de terror noturno de seu filho estava sendo a ponta do iceberg, mexendo em sua auto-imagem e estrutura emocional. Me aproximei, coloquei as minhas mãos entre as dela e olhando bem no fundo de seus olhos convidei-a:- MÃE, QUER CONHECER BEATRIZ?

BEIJO DE CRAVO E CANELA! ( SABORES E SENTIDOS).

Tive bons amores. Vários tipos. De várias maneiras. Amores de paz. Amores infernais. Amores doces. Amores amargos. Amores platônicos. Até que encontrei Bernardo! Pra mim significava  a soma de todos eles. Então o escolhi! Não foi pelo seu olhar misterioso. Tampouco pela voz envolvente. Nem pela mãos impressionantemente fortes. Elas falavam em seus gestos. Transmitiam tanta segurança! Engraçado, é como se elas mobilizassem os meus sentidos. Tinham uma energia única! Também não foi por causa delas que eu o escolhi. Nem pela sexualidade sempre fervente que me levava às nuvens. Nem seus ardentes beijos cheios de desejo. Não, não foi! O que me prendeu e enfeitiçou e fez com que eu o eternizasse dentro de mim, foi a estrutura de ser humano que imaginei que ele fosse. Cada encontro, uma descoberta. Cada descoberta era como se fosse uma peça a mais para completar o quebra cabeça em meu coração. “O homem ideal”! Parece loucura mas tinha uma certa lógica. Depois de ter sofrido decepções, achei ser essa uma forma de não errar em uma nova escolha. Bernardo era a síntese dos meus anseios. Um ser humano equilibrado: razão e emoção. Coração quente. Pensamentos organizados. Simpatia contagiante. Sabia colocar nas palavras a emoção correspondente. Uma delícia de papo. Nosso primeiro encontro foi inesquecível para mim. Aconteceu na praça da igreja de onde eu morava. Lembro, era uma noite de lua cheia. A  claridade da lua enfeitava toda a praça. Eu e ele sentados num banco bem embaixo de um  pé de ipê. O luar estava tão intenso que dava pra ver as flores do ipê dourado, reluzindo  como se fosse um dia de sol. Foi ali que aconteceu o nosso primeiro beijo. Gosto de canela e cravo. Quanta saudade daquela noite! Naquele momento, misturados aos sentidos, os aromas do delicioso doce de abóbora de minha avó. Ela fazia sempre que eu  ia em sua casa, quando criança. Adorava aquele gostinho de cravo e canela que ela colocava nos doces e compotas de frutas. Ao sentir o beijo, me arrepiei toda. Prazeres misturados. Sensações deliciosas e muito tesão! Mexeu com minhas entranhas. De todos os beijos que experimentei, aquele foi o mais marcante. Inesquecível! Suas mãos e o seu beijo me colocaram no cativeiro da paixão. Mesmo assim, escravizada, eu não  teria escolhido Bernardo se ele não tivesse preenchido a imagem do quebra cabeça do homem ideal. Mas as peças se encaixaram. Uma a uma. Ficou perfeito. Em meu coração já havia acabado o encaixe. “Bernardo”! Não demorou muito fomos morar bem no pé da serra. Casa gostosa e simples. Muita natureza e vida. Esquilos apareciam por lá. Gatos e cachorros numa irmandade exótica, brincando pelo quintal, junto com galinhas cacarejando por toda parte. Pássaros de toda espécie, com seus cantos, nos acordavam todas as manhãs, sinalizando o nascer do dia. A gente só saia de lá para dar aulas no colégio, num bairro próximo. Fins de semana eram o momento de receber amigos especiais com comidinha caseira. Fogão à lenha.  Minha única divergência com Bernardo, era na escolha do prato. Sou vegetariana. Ele não. A gente sempre acabava num bom consenso. Não tivemos filhos, por escolha. Talvez um dia, quem sabe! Se não desse pra  ter um filho da barriga, tudo bem. Adotaria! Afinal, tantas crianças precisam de um lar. Amor não ia faltar! Assim a vida transcorreu por sete anos. Os beijos variando em muitos sabores diferentes. Incrível sensação de estar viva. Afrodisíacos! Mas, não sei bem o que houve, depois de um certo tempo, os beijos foram se rareando e ficando sem sabor. Fui me assustando. Era ele ou eu? As conversas ficando cansativas. Cinza! Faltava tesão pra continuar. O paraíso no meio do mato foi se entristecendo. Até então eu nunca tinha pensado em viver de outra forma.  Aquele tinha sido o mapa traçado pelo meu coração. Como não me dera conta da lenta intoxicação emocional que foi tomando conta de nossa relação? Bernardo ficava sempre na dele. Evitava discussão. Pra ele tudo estava bom. E agora? Ficamos meio perdidos. Eu não conseguia viver sem sabor. A vida muitas vezes faz conspirações para mobilizar sentimentos adoecidos. Num feriado da independência tive que levar meus alunos no desfile oficial da escola. Eu iria sozinha. Naquele dia, antes de sair de casa, beijei muito as minhas cinco cachorrinhas. Elas me passavam uma energia incrível. Na verdade eu as chamava de filhas. Com elas os sabores não mudaram! Dei um tchau chocho para o Bernardo e fui ao encontro, com os meus alunos. Era um dia quente e nublado. Eu rezando pra não chover. Lá no desfile apareceu um rapaz alto. Boa aparência. Não tirava o olho de mim. Há tanto tempo eu não prestava atenção pra isso! Já tinha até esquecido dessa sensação. Aquela situação me deixou constrangida. Envaidecida e sem jeito. Afinal, eu era uma mulher casada. Não tinha perfil de infiel. Sempre me preocupei com a minha reputação. Nunca gostei de galinhagem. Acho que por estar carente e confusa emocionalmente, de algum jeito, eu alimentei aquela sedução. Olhar insistente, o rapaz se aproximou. Num segundo, faiscou meu coração. Me senti adolescente novamente. Cheia de vida e com uma certa culpa apertando o peito. Mesmo assim, voltei pra casa feliz! Me sentindo bonita. Atraente. Até minhas cachorrinhas me estranharam. Os hormônios nos traem! Não sei como aquele rapaz sedutor  conseguiu o meu telefone. Foi ficando tão forte. Não resisti aos assédios. Cedi. Resolvi me aproximar  do Francisco. Aquela imagem de um homem carente e charmoso, não saiam de minha cabeça. Mexeu em minhas carências. Fiquei com ideia fixa no seu olhar. Me estranhei! Disfarçar de Bernardo foi ficando difícil. Acho que, por me sentir diferente, ele começou a se preocupar com a gente. Buscava me agradar nos detalhes. Comeu até comida vegetariana! Fiquei extremamente dividida. Fui perdendo a referência interna de meus sentimentos. Confusão e muita dor. Olhava Bernardo e sentia amor. Tesão, não! Olhava para o Francisco, sentia tesão. Amor não. Apenas preenchia as fantasias de uma mulher carente. Ele insistindo na sedução. Mostrando sempre o seu melhor lado. Idealizando a vida dele comigo. Era tão exagerado quanto o antigo Bernardo. Isso me envaidecia o ego. Também me assustava. Fiquei assim por alguns meses. Driblando os meus dois homens! Até me sentia poderosa. Não montei um quebra cabeças para o Francisco. Apenas ficou no platônico. Embora eu sentisse vontade de experimentar o novo, resisti. Era contra os meus princípios. Sou a chamada “certinha”! Herança de mãe! Comecei a somatizar toda aquela angústia. Usei o racional e resolvi  sair daquela droga em que me meti. Organizar a minha vida. Me sentia empobrecida emocionalmente. Entre dois amores. Sem nenhum de verdade. Não queria dessa forma. Busquei uma psicoterapia decente. Um profissional experiente. Descobri que estava na crise dos sete anos. Casamentos podem ser assim! Entendi que corria sérios riscos de perder construções insubstituíveis. Perder a luz que eu já conhecia. Entrar no escuro do desconhecido e caminhar até o mesmo ponto em que estava agora. Amores se constroem ao longo do tempo. Tempos ruins fazem parte da trajetória. Um bom marinheiro, em tempestades, “leva o barco devagar”. Compreendi que estava fugindo de mim mesma.  Fiz uma retrospectiva para encontrar o início da crise. Aprendi abrir o peito. Respirar. Sentir e expressar. Senti que entre eu e o Bernardo não cabia mais ninguém. Só muito amor! Nós éramos o suficiente um para o outro. Nenhum desconhecido preencheria, saudavelmente, esse espaço em minha relação com Bernardo. Eu teria que me encarar. Tinha um grande amor em jogo. Hoje sei que carente atrai carentes! A neurose se fixa nesse ponto e torna a pessoa imatura e sem bases sólidas na realidade. Os afetos e carinhos adormecidos durante esse período de crise estão sendo acordados. Assumi meus descuidos.  Bernardo os dele. Está sendo maravilhoso sentir novamente o sabor de cravo e canela. Francisco? Sou grata a ele. Possibilitou que eu reconhecesse a diferença entre o amor verdadeiro e a fantasia erótica. “QUASE ENTREI NUMA GELADA”!