Antonio é um homem de quarenta e dois anos de idade. Pode-se dizer que viveu apenas trinta e sete. Foi ai que enlouqueceu. Diziam que enlouqueceu por Amor! Homem extremamente sensível. Inteligente. Nasceu numa família simples e muito amorosa. Nunca faltou contato afetivo que nutrisse sua sensibilidade e sonhos, a não ser no período em que esteve internado na creche, quando muito criança. Sua história: Zé Damião, seu pai, jardineiro simples, nascido na roça. Por lá ficou até o nascimento de Antonio quando decidiu morar na cidade grande. Tentar subir na vida. Ouviu dizer que na cidade seu salário triplicaria. Arriscaria trabalhar em jardinagem nos condomínios de luxo. Era um homem ignorante, mas muito, muito esperto! Tanto que aprendeu sozinho a criar lindos jardins. Casado com Maria das Graças, mulher semi analfabeta, porém de muita iniciativa. Desconhecia o que era preguiça.Tinha atitude diante da vida. Combinara com o marido que iria à cidade grande buscar emprego em casa de madame. Cozinheira de mão cheia, seria fácil arranjar uma colocação. Partiram cheios de sonhos e expectativas e um lindo bebê para criar. Lá as coisas não foram tão fáceis quanto pensaram. O salário era bem melhor mesmo. Quanto mais somado ao salário de Maria das Graças. Dava pra viver bem e ter novas expectativas. Só que o custo de vida era bem mais alto que o da roça. Batalharam juntos. Com dor no coração, Maria deixava Antonio o dia todo na creche. Sentia que criança pequena precisava era de mãe mesmo. Escola só na idade certa. Não quando se é um bebezinho. Mas ela não tinha saída. Só assim conseguiriam trabalhar. Tiveram muitos tombos. Muitas levantadas. Lá, perceberam a enorme distância entre os sonhos e a realidade! Apesar de tudo, não desistiram da luta. Por um bom tempo, tiveram que se acomodar em lugares extremamente simples, com piores condições das que haviam na roça. Mas sempre que o desânimo se aproximava eles pensavam que parte do sonho já tinha se realizado. Estavam na cidade grande! Isso já era bom demais. Estavam mais próximos de poder educar e formar o Antonio. Seria um doutor. Já tinham decidido. Daria muito orgulho ainda pra eles! Antonio foi um menino retraído e tímido. Tinha um comportamento introspectivo e meio calado, mas muito criativo. Conseguia ir bem nos estudos. Tinha uma certa dificuldade de se socializar. Com sacrifício e muita economia, seus pais conseguiram que seu menino fizesse o curso superior. Antonio correspondeu em parte às expectativas da família. Não fez medicina como os pais queriam. Sem chances! Não tinha vocação. Nem tentou. Era um jovem sensível. Exageradamente sensível. Não gostava de ver sangue. Fragilizava fácil. Quase desmaiava. Imagine se fosse fazer medicina! Não quis de jeito nenhum. Formou-se em agronomia. Assim como o pai, gostava de plantas e de lidar com a terra. Logo que se formou, foi trabalhar numa empresa média que vendia plantas, paisagismo e negócios correlatos. Depois de um tempo seu patrão ficou encantado com o sua criatividade e ótimo desempenho. Não demorou muito foi nomeado gerente, com participação nos lucros da loja. Seus pais ficaram radiantes em ver o filho bem sucedido e ganhando um bom dinheiro. Sonho realizado! Suficiente para eles não precisarem mais trabalhar. Resolveram voltar para o interior. Antonio continuou na cidade grande trabalhando muito. Ficou conhecido como “Antonio das flores”! Falante e comunicativo em seu emprego. Lá ele se soltava. Adorava contar aos clientes aspectos científicos de cada espécie de planta ou flor quando surgisse interesse pelo assunto. Parecia que estava dando uma aula. Algumas vezes até se tornava um chato. Ficava tão empolgado que não parava de falar. Não se tocava! Sentia-se envaidecido quando se dava conta de seu desenvolvimento profissional e do reconhecimento das pessoas. Reforçava a sua auto-imagem. Os ventos estavam soprando a favor. Seu padrão propôs sociedade em troca do trabalho excelente que ele realizava na empresa. Antonio entraria com a responsabilidade de administrar a loja sozinho gerenciando também os quarenta funcionários que lá trabalhavam. O patrão com setenta e dois anos de idade, se afastaria. Estava cansado. Queria aproveitar essa fase da vida de uma nova forma. Talvez viajar e conhecer muitos lugares. Não ter horários rígidos. Antonio topou. Foi transformado num empresário, com apenas vinte e oito anos de idade. Metade da empresa “Natureza Viva”! Sonho realizado! A loja tinha um grande movimento. Nesse contexto emocional sua auto-estima ficou lá em cima. Identidade reforçada. Não era um homem bonito. Charmoso sim! Até demais. Um misto de simplicidade e autenticidade que lembrava a transparência de uma criança. Cabelos castanhos e lisos com uma mecha insistindo em cair sobre o olho esquerdo. Olhar profundo, um tanto caído e de uma tristeza sutil. Talvez marcas do período da infância passada dentro de uma creche em período integral. Esse traço de tristeza era uma das marcas de seu charme. Quando seus pais voltaram para o interior, se viu sozinho na cidade grande. Antonio foi morar num apartamento pequeno mas muito confortável. Ficava bem próximo do seu emprego. Assim iria a pé para o trabalho. Nunca quis tirar carta de motorista. Combinou que iria visitar os pais uma vez por mês. Nesse meio tempo se apaixonou perdidamente por uma cliente da loja. Laura! Moça bonita e sensual. Extremamente extrovertida. Um tanto leviana e mal falada nas redondezas. Gostava de atrair homens carentes. Tirava seus proveitos e os abandonava sem nenhum arrependimento. Era considerada uma mulher fatal, na linguagem popular. Coitado de quem caísse em suas garras! Antônio carente e meio ingênuo, caiu como um pato. Pobrezinho. Laura, esperta como ela só, não perdeu tempo. Jogou muito charme e conversa em cima de Antonio. O homem pirou. Perdeu o chão. Desatinos atrás de desatinos. Ela brincava com a fragilidade emocional dele. Saia com ele e com outros. Não tinha escrúpulos. Esse era o seu padrão de comportamento. Laura tinha também outros traços de caráter. Gostava de cuidar! Sabia ser carinhosa. Além disso, sabia fazer pratos deliciosos, assim como a mãe Antonio. Isso para ele era o máximo. Cada dia mais fascinado. Ficou uma coisa doentia. Obsessiva. Laura sabia alimentar isso nele. Por outro lado o imprevisto aconteceu. Laura se surpreendeu apaixonada, também, pelo jeito simples e cristalino de Antonio. Era autêntico como uma criança. Laura dizia que ele era o menino dela. Felizes da vida resolveram morar juntos. Seria uma experiência. Se desse certo, maravilha! Laura conseguiu ser parcialmente fiel por quase nove anos. Nesse tempo resolveu estudar culinária para aperfeiçoar seus dons. Queria trabalhar na área e ganhar o seu dinheiro. Considerando o caráter da moça, parece que tinha amadurecido durante o tempo que moraram juntos. Antonio respirava Laura! Ele se transformou num fantoche em suas mãos. Antonio nem lembrava de visitar os pais lá no interior; não queria desgrudar de seu amor. Ela muito voluntariosa. Antonio morria de medo de perdê-la. Fazia tudo que Laura queria. Parecia um robô! Se despersonalizou totalmente. Sentia-se feliz em viver daquele jeito com ela. Só que essa dependência de Antonio enfraqueceu ainda mais a ralação entre eles. Laura paulatinamente foi perdendo o interesse por ele. Começou a detestar seus exageros com ela. Evitava os seus carinhos, sempre com uma boa desculpa. Se para Antonio naquela altura do relacionamento tudo estava perfeito, para Laura foi ficando insuportável! Ela começou a sair sozinha nos fins de semana, dando sempre uma desculpa mentirosa. Estava no auge de seus trinta anos hormonais. Queria muito mais da vida! Já não sentia mais nada por Antonio. Nem gratidão pelos anos que conviveram e tudo que ele fez por ela. Queria novos ares para oxigenar o coração. Partiu! Silenciosamente. Apenas uma mensagem de voz implorando para ele nunca procurá-la. Um adeus frio e calculista. Sem a menor marca de carinho. Foi o pior fim de semana na vida de Antonio. Restou somente o perfume dela no lençol da cama! Antonio desnorteou-se. Pensou que fosse uma brincadeira malvada. Depois foi caindo a ficha. Não conseguia aceitar o abandono. Não conseguia admitir que se enganara tanto. Começou a entrar em diferentes estados emocionais. Desde a negação até a depressão. Com o passar dos dias alternava ciclos de compulsão e obsessão. Sozinho e sem amigos, estava perdendo a vontade de viver. Quem o conhecia comentava não ser possível uma mulher fazer esse estrago na vida de um homem. Só se ele estivesse doente! Antonio não queria se alimentar. Começou a se embriagar. Se negava a tomar remédios. Afastou-se do trabalho por absoluta falta de condições. O psiquiatra diagnosticou um quadro de confusão mental alternado com mania e depressão. Indicou afastamento do trabalho temporariamente até melhorar seu estado de saúde. Antonio, fragilizado, voltou para o interior para a casa dos pais. Lá teria acolhimento emocional. O doutor lhe disse que o quadro mental desencadeado por aquele stress era uma tendência hereditária. Tinha nascido com ele. Fazia parte de sua estrutura psíquica, por isso precisava de tratamento. Seu avô paterno tivera um quadro mental semelhante, por outros motivos. Antonio nunca mais viu Laura. Embora de início tivesse feito de tudo pra encontrá-la. Soube-se que ela estava com outro alguém. Foi morar longe dali. Antonio entrou na fase da NEGAÇÃO da realidade. Esperava que ela de repente voltasse ou ligasse. Assim passava os dias alienado, lá no interior. Não estava bem mesmo. Comportamento estranho. Expressão muitas vezes não coerente com a realidade. Seus pais preocupados e cuidando do único filho. Para preencher o tempo Antonio começou a trabalhar com jardins e flores lá no interior. Passados quase cinco anos nessa condição mental, algo de novo aconteceu. Começou a pintar. Não queria mais voltar pra cidade. Lá a vida dá medo! A perturbação mental se acalmava com as flores ou com as telas. Sua empresa na cidade foi vendida e seus pais investiram o dinheiro para sobreviverem bem. Hoje, depois de quase cinco anos, Antonio anda fazendo lindos quadros com temas floridos e passionais. Encontrou na arte a forma de expressar sentimentos bloqueados dentro de si. Fez uma exposição de quadros no último fim de semana que atraiu muitos turistas. O tema girava em torno de uma fatal história de amor. O personagem principal estava exposto como um “Jardineiro louco”, que enlouqueceu por amor. Teve um turista que comprou toda a coleção. Ficou encantado com a sutileza dos traços e com aquela história de amor. Esse turista prometeu voltar e talvez negociar com Antonio seus quadros no exterior. Depois daquela tarde de domingo, algo de novo aconteceu no coração de Antonio. Parece que acordou novamente para a vida. Em seu ritmo foi se organizando energeticamente e mentalmente. Parecia um milagre! O “Tonho louco” conseguiu falar de sua dor. Libertou-se! BOAS VINDAS ANTONIO. Noutro dia, pintando uma de suas telas em praça pública, alguém novo na cidade lhe perguntou: – Quem é você? Sorrindo, respondeu:- ANTONIO DAS FLORES OU TONHO LOUCO. VOCÊ ESCOLHE!
Mês: julho 2020
A FÚRIA DOS BICHOS!(JUSTIÇA DA VIDA).
“A vida grita por seus direitos! A injustiça que existe na terra não pode continuar da forma que está! Somos alvos diretos desses seres humanos desalmados”. Gritou a leoa mais evoluída da floresta. Leoa dourada! Enfurecida, em cima de sua árvore preferida, seus olhos tinham uma luz de fogo. Ainda gritando, continuou vociferando sobre as maldades e destruições que seus companheiros de espécie andam sofrendo através dos tempos. Gritava tão alto que até doía os tímpanos dos animais presentes. Falava das caças e torturas que sempre haviam na floresta. Invasões e terrorismo o tempo todo. Não dava mais pra suportar! Enfurecida, disse que tinha chegado aos seus ouvidos os enormes sofrimentos a que os animais nas cidades grandes também estavam submetidos! Além de escravizá-los covardemente também os assassinavam. A Leoa Dourada em seu discurso estava convocando para uma “revolução”! Certamente não poderia contar com os animais das cidades visto que eram prisioneiros. Não! Não, podiam contar com eles. Apenas lutar por eles! Horrorizada falava que eles eram vítimas inocentes, encarceradas e condenadas à morte sem terem feito mal a ninguém. “Os humanos se divertiam e se enriqueciam com a matança de animais”! Vamos acabar com essa crueldade toda. A Leoa Dourada estava revoltada. Dizia que o universo também não poderia estar a favor desses cruéis desalmados. Ele certamente conspirava a favor dos bichos! Com muita indignação ela aumentava o tom da voz e descrevia a falta de sensibilidade total dos humanos para com os animais. “Temos direito à vida”. Falou até sobre a força do instinto de vida que existe nas diferentes espécies. Tanto nos animais quanto no seres humanos o “instinto de vida” é muito forte! Vacas, cachorros, galinhas, porcos, patos, perus e tantos outros… Ninguém quer morrer, assim como o homem. “Não saímos por ai matando humanos por nada!”. Terminado seu eloquente discurso, todos aplaudiram intensamente . A Leoa Dourada estava visivelmente muito entusiasmada e satisfeita com o resultado obtido. Todos os animais em coro concordavam com o que estavam ouvindo; então a Leoa conclamou a união de todos os presentes. Era necessária uma reação em massa na busca da melhor estratégia. No meio desse calor emocional, surgiu de repente, bem ao lado da árvore em que a leoa estava, uma enorme vaca branca com uma ave de rapina sobre o dorso. Parecia uma ave de contos de fada! Ela segurava um cartaz em seu bico com o seguinte dizeres:- “Vamos lutar com as armas que temos”. Todos os animais leram em coro. Começaram a repetir bem alto as frases do cartaz:- “Eles se alimentam e se enriquecem com a nossa dor. É injusto! GUERRA!”. Terminada a explosão emocional do bando, foram combinar uma solução inteligente e sutil. Uma forma inesperada em que eles se surpreendam. Todos que estavam por ali começaram a expressar seus sons num tom alto e gutural conclamando união e força e dando suas opiniões. Muito alterados pela emoção presente. Aceitando o desafio que a situação exigia. Foi pedido um instante de silêncio. Depois da reflexão grupal, decidiram qual a melhor forma. Sigilo total! Todos concordaram que seria uma arma invisível. As formas que os humanos tem para essas situações, não resolveriam de imediato o problema que os bichos criariam. Máquinas seriam impotentes para protegerem os humanos com a estratégia criada pelos bichos. Talvez , depois disso, eles respeitassem mais a vida no planeta. Decisão tomada! Foram à luta! O mundo então adoeceu mortalmente. Os homens não desconfiaram da justa vingança dos animais. Estão tão involuídos!”! Esse sonho foi relatado por MARIANA, em sua sessão de terapia, um pouco antes da pandemia. Jovem excessivamente carnívora. Um tanto insensível. Indiferente aos animais. Supérflua. Levava uma vida desintegrada de sua verdadeira sensibilidade. Só percebia a sua própria dor. Dessa ela tentava cuidar para não sofrer. Esse sonho foi extremamente mobilizador na vida dessa menina moça. Alterou valores em seu modo de olhar a vida. Não sabia explicar o porquê! Só sabia que se sentia mais integrada consigo mesma. De início achou até esquisito tantas transformações sem que ela pudesse reagir. Apenas aconteceu. Mudou! Sente que sua consciência se ampliou para um mundo de sensações desconhecidas e intensas. Mais integrada à natureza. Talvez mais leve. Desenvolveu muita empatia. Não consegue nem pensar que pôde colaborar com o sofrimento dos animais, mesmo que de forma indireta. Surgiu uma necessidade enorme de se aproximar do mundo deles. Começou a ler textos, livros e pesquisas sobre o mundo animal. Fez visitas a ONGs. Comprometeu-se a fazer trabalhos como voluntária. Adotou Jade e Jasmim! Sua casa anda numa bagunça colorida. Muita festa por lá. Sapatos roídos pelas brincadeiras das meninas. Carne, só de soja. Mais feliz e amorosa. Decidiu que irá fazer veterinária para estar mais íntima desses bichinhos tão incríveis. Quer se tornar uma profissional da área. Registrou em sua mente a certeza que sua leoa é sábia. Poderosa. Conseguiu transformá-la numa nova pessoa! Nunca mais vai se nutrir da dor de nenhum ser inocente. “MATAR? SÓ A TRISTEZA E A SAUDADE!”.
DIVÓRCIO! (AMIGO IMAGINÁRIO).
Ana Marta, sete anos de idade, acordava sobressaltada todas as noites. De repente, no meio da madrugada, com muito medo, sentava na cama com os olhos meio vidrados chamando pela mãe. Essa situação estava recorrente. Tudo começou a partir do momento em que seus pais se separaram, há seis meses. Separação litigiosa. Muitas brigas e exposições emocionais violentas em que seus genitores não tomaram o devido cuidado de poupar essa criança. Ana Marta adorava o pai. Era o seu ídolo. Falava que “quando crescesse queria namorar com ele”! Na verdade Cláudio foi um ótimo pai enquanto esteve presente na vida da criança. Depois que se apaixonou pela garçonete da faculdade onde dava aulas tudo mudou. Esse homem enlouqueceu. Só cometeu desatinos. Abandonou a família sem olhar para trás. Era uma sexta feira quente de verão. Aquele deveria ser um dia especial para a sensível Ana Marta. Aniversário de sua melhor amiguinha da escola. Estava ansiosa esperando pelo pai naquele fim de tarde. Ele havia prometido levá-la à festa. Ficou ansiosa o dia todo. Numa expectativa danada. À tarde, depois do lanche, já quis vestir a roupa da festa. Vestido vermelho com bolas brancas, cheio de laços. Lindo, lindo! A babá arrumou seus cabelos louros dourados, num rabo de cavalo que realçava seu rostinho delicado. Calçou os sapatinhos brancos que sua mãe havia comprado para esse dia especial. Ana Marta parecia uma princesa. Sentadinha na sala, brincando com Lia, sua boneca preferida. Ficou distraída por um longo tempo esperando o pai chegar. Na casa só se encontrava ela e a babá. A mãe estava viajando a trabalho. Chegaria no dia seguinte pela manhã. Foi a um congresso da área em que trabalhava. As horas foram passando. Ana Marta começou a reclamar com a babá da demora do pai. Tinha medo de perder a festa. A babá a acalmava e dizia que logo ele chegaria, e, calmamente, continuava entretida no romance que estava lendo, desconectada do estado emocional em que a menina se encontrava. Assim o tempo foi passando e nada do pai da pequena chegar. Ana Marta agarrada à sua boneca, começou a chorar quando olhou os ponteiros do relógio. Lembrou que a velinha iria ser assoprada as nove e meia da noite. “Festa de criança tem horário”! O desespero da menina fez com que a babá tentasse falar com o seu pai, Cláudio. Deu caixa postal. Tentou contato com a mãe, Maria; também não conseguiu. Estranhou! Ana Marta, extremamente frustrada quis ir para o seu quarto. Ainda vestida de festa. Adormeceu abraçada à Lia… Naquela noite a babá dormiu no emprego. Logo cedinho, Maria, a mãe da menina chegou. Quando soube do ocorrido, furiosa, tentou falar com o marido. Caixa postal! Não podia acreditar. Onde aquele idiota teria se metido? Que ele andava estranho há algum tempo, ela já sentia. Frio. Evitando intimidade. Mas isso não era novidade no casamento deles. Muitas brigas e reconciliações já era um padrão conhecido. Maria atribuía muitas dessas brigas ao stresses dos últimos tempos. Ela não se preocupava tanto assim! Na verdade não o admirava muito como homem! Mas ainda algo a prendia naquele casamento, talvez a filha, concebida com tanto amor. Quando sentia ímpetos de se separar imediatamente emergia a vontade de tentar novamente. Pensava que talvez tudo pudesse melhorar. Stress e conflitos de temperamentos existem em qualquer relacionamento. Agora, a atitude dele com Ana Marta foi imperdoável, a não ser que tivesse um motivo muito grave! Apenas! Fora isso, não tinha o direito de ter feito o que fez! Maria era uma mulher bem racional. Procurava organizar os pensamentos antes de tomar uma atitude séria. Mas, mesmo com toda a sua racionalidade, não suportou saber da dor sentida pela filha. Chorou de tristeza também! Imediatamente se desfocou da dor e transferiu o seu pensamento para o seu marido Cláudio. Onde andaria aquele sem vergonha? Nem dormiu em casa! Como teve coragem de sumir sem dar notícias? Insensível! Resolveu tomar um banho pra aliviar a cabeça e esperar pelo canalha. “Será que tinha acontecido algo”? Não. Más notícias chegam rápido! Não precisou nem começar a pensar nisso! Assim que entrou em seu quarto, bem em cima da escrivaninha, ao lado da cama, havia uma carta fechada. Antes não tivesse lido. Impressionante! Como fora capaz? Desde então, Ana Marta se transformou numa menina triste e solitária. O brilho de seu olhar ofuscou. Expressão triste. Na escola se afastou das amigas. Ficou apática e problemática. Nem a Lia, sua boneca preferida, ela queria por perto. Desenvolveu em seu mundo imaginário amigos leais, como compensação. Estão com ela sempre que precisa. Eles não a abandonam nunca. Tem até cachorrinhos coloridos. Com nomes escolhidos por ela. Sua única diversão desde então, é ficar trancada em seu quarto brincado com esses amiguinhos. Ultimamente seu quadro de ansiedade havia piorado muito. Muitas noites acordava chamando pelo pai. Diante do agravamento de seu quadro emocional, mesmo tendo pouco tempo disponível para a filha, Maria, resolveu tomar uma atitude já que o pai foi morar em outra cidade. Ana Marta ficou muito arredia com ele. Passou a vê-lo pouco. Parece que ele nem sente falta da filha! Também, apaixonado como ele está pela nova mulher! “É UM MOLEQUE MESMO”! Maria, usando sua racionalidade, entendeu que Ana Marta precisa de tratamento psicológico infantil. Ela sabe muito bem o que é depressão. Quase foi fisgada. Não é justo que minha inocente menina seja vítima dessa fera. Não! ” ELA NÃO ROUBARÁ O BRILHO DE SEU OLHAR!
O CARRASCO! (IDENTIDADE ANULADA).
Existem vários tipos de caracteres que podem determinar comportamentos em uma pessoa. Por isso, os relacionamentos humanos se tornam tão complicados. Dependendo de quem escolhemos, podemos nos tornar “escravos dessa escolha”. Consciente ou, pior ainda, inconscientemente. Esses traços, muitas vezes, não são fáceis de se perceber. Estão encobertos por atitudes que seduzem e enganam o outro. Até o próprio portador pode não reconhecer as dimensões de suas neuroses e traços patológicos. As defesas das neuroses, popularmente, são batizadas com nomes disfarçados. Muitas vezes enfeitados de laços cor de rosa! “Nossa, Elisa é perfeita, nunca erra”! Enganam bem. Tudo que é exagero, não é natural! A maioria das pessoas desequilibradas não se sente assim. Assume que esse é o seu jeitão! Vão construindo e somando novas neuroses através de relacionamentos doentios. Tem muita necessidade de se auto-afirmar e por isso funciona como um trator. Detona o outro com exigências e críticas absurdas. Muito controle. Isso fortifica e lhe dá imenso prazer. É uma forma de se proteger da sua “miséria emocional”, escondida nos escombros de sua história. Existem traços neuróticos em vários graus. Do imperceptível ao grau extremo! Na nossa sociedade é praticamente impossível não se ter algum tipo de neurose. A vida social, nos dias de hoje, estimula exageradamente o indivíduo. Nível de stress intenso! Despersonaliza! Fica muito complicado não se desestabilizar energeticamente. Fora as mazelas emocionais e as rupturas familiares, tão em moda atualmente. Acrescentem-se tantos conflitos e decepções. Quanto maior o acúmulo desses aspectos maior descompensação. Essa situação toda tem uma relação, também, com a qualidade energética que a pessoa trouxe de sua carga genética. A soma desses fatores pode refletir num indivíduo mais ou menos equilibrado. Os recursos para administrar saudavelmente essas angústias vão depender do resultado dessa soma. Quando nos apaixonamos, estamos contactando apenas o lado visível, o idealizado. Na verdade, sem saber, estamos assumindo o pacote emocional completo da vida emocional do amor escolhido. Com o passar do tempo e na convivência, as máscaras vão caindo. A pessoa vai se desnudando lentamente e, algumas, abruptamente. Com esse desnudar, esses aspectos, que descompensam, vão intoxicando a relação. A paixão que a gente julgava ser amor, vai se transformando em um tormento contínuo e avassalador, assim que as neuroses mais profundas emergem. “O príncipe vira sapo”! De início, muitas vezes, fechamos os olhos. Não queremos admitir essa realidade destruindo os sonhos que embalaram tantos momentos mágicos. Considerando também que as nossas próprias neuroses se chocam com as da pessoa com quem convivemos. Essa explosão de reações detonam o encanto e a saúde como um todo. Submeter-se é anular a própria identidade. Reação sem medidas, “explosão à vista”! Saber administrar no limite do equilíbrio saudável é o recurso mais indicado para tentar se auto-afirmar e resgatar o respeito imprescindível para o bom viver. Isso deve ser trabalhado no início do relacionamento. A cada manifestação de uma atitude que agride ou invade, pontuar. Saber ouvir. Expressar. Sentir se o momento comporta uma “discussão”, ou postergar para quando a poeira tiver abaixado. Sofrer ou ser feliz? Depende de cada um de nós. Do cultivo da inteligencia emocional que ajuda a enxergar o norte. Fazer as pazes com o nosso lado saudável requer reflexão e auto discernimento. O carrasco mora dentro de cada um. Desmascare-o. “FAÇA-O SORRIR”!
ALÉM DO ARCO IRIS! (ALEGRIA).
Amanhecer lindo. Naquela manhã decidi caminhar nas areias úmidas da praia. A maré tinha subido muito durante a madrugada. Tirei os chinelos. Precisava acordar o meu peito que insistia naquela angústia intermitente. Talvez a areia úmida pudesse me ajudar! Estava numa situação emocional muito complicada. Assim que senti aquele frio úmido embaixo dos pés, subiu pela minha espinha um arrepio intenso. Cheguei até a sentir um certo frio no corpo todo. Era uma manhã de sol, atenuado por ventos leves. Típico outono. Marcelo, um amigo muito amado, me disse certa vez que a natureza tem remédios para todos os males da alma. É só buscar. Ela é tão generosa! Oferece de graça possibilidades infinitas de resoluções para certas prisões que acometem o coração. Esse meu amigo vive em minha mente. “Respiro ele”! Dizia que tinha dons de telepatia. Eu brincava com isso. Sempre que estávamos juntos, meio gozando, ele queria adivinhar os meus pensamentos. A gente ria muito. Confesso que muitas vezes ele acertava, mas eu não admitia. Só para tirar ele do sério. Ficava zoando com ele. Mas realmente a sua sensibilidade era incrível! Chorei muito em seus ombros quentes. Era meigo, carinhoso e criativo. Menino inteligente! Mais velho que eu onze anos. Naturalmente mais amadurecido. Eu era uma moleca de dezoito anos! Como um professor, tentava me ensinar a lidar com as encrencas emocionais em que me metia. Meus hormônios a mil. Imaginem! Confessava pra ele todos os segredos que não dizia nem pra minha mãe, que insistia em ser minha amiga intima. Não. Não confiava nela. Só no Marcelo. Intimamente eu tinha uma admiração enorme por ele. Mais que pelo meu pai! Ele sempre foi tão leal comigo. Meu pai, nem tanto. Me mentiu várias vezes. Me tratava como uma menininha desprovida de inteligência. Acho que ele não me admirava! Quando se separou de minha mãe nem senti sua falta. Nunca mais quis vê-lo. Nem ele a mim! Minha mãe era outra pessoa mal resolvida. Com aqueles namorados imbecis que ela arrumava, só me afastou dela. Ela também não estava nem ai comigo. “Graças a Deus”! Nunca foi a mãe que eu queria. Fui morar sozinha aos vinte e dois anos. Foi bem nessa época que Marcelo foi transferido para o exterior. Era cientista e iria terminar o seu doutorado. Fiquei numa tristeza infinita! Na partida, ele prometeu emocionado que um dia viria me buscar. Chorei mais ainda quando ouvi isso. Lembro do avião subindo. Meu coração se despedaçando em mil pedaços. Naquele momento senti que não era só amizade. Estava apaixonada por Marcelo. Acho que ele nem desconfiava. Sempre me tratou como uma irmã. Isso aconteceu há dois anos. Passei esse tempo todo desviando os meus pensamentos da imagem que guardei dele. Mas, mesmo que eu evitasse pensar, ele vinha através de sonhos, atos falhos… De vez em quando a gente se falava. Ele mandava fotos. Todo lindo e feliz! Nem desconfiava da minha dor. Eu nunca falei nada. Tinha medo de perder o amigo. Na noite anterior daquela manhã em que fui andar nas areias úmidas da praia, eu tinha sonhado com ele. Foram tão fortes as sensações. A sua presença. Seus olhos risonhos e amendoados. Sua voz tão poderosa em mim. Quantas saudades! Quando acordei e me vi diante de minha costumeira solidão acho que deprimi. Até o meu gato me abandonou naquela manhã. O que me deu um certo alento foi olhar para a orquídea lilás, toda florida na mesa de centro de minha sala. Presente de Marcelo, antes de partir. Suas flores energizavam a sala inteira. Era uma forma lilás de estar com ele. Acalmava a minha solidão. Cuidava daquele vaso como se estivesse cuidando de Marcelo. Naquela manhã, foi ela que me impulsionou a sair e caminhar na praia. Naqueles dias, estava muito preocupada porque não tinha notícias de Marcelo há quase um mês. Tentava entender o porque! Na areia úmida, envolvida nesses pensamentos doloridos, caminhava olhando para o chão. Por um momento levantei os olhos para o céu e vislumbrei um arco iris maravilhoso enfeitando o horizonte. Me senti hipnotizada diante daquela beleza. Continuei andando sem olhar para a frente. Com o olhar fixo naquelas cores mágicas. De repente, trombei com alguém. Quase cai na areia. Que susto lindo! Não podia acreditar. Marcelo de propósito trombou comigo. Com seu olhar risonho e energético, rindo e balbuciando palavras de carinho, me envolveu num abraço de explodir o coração. Milhões de arcos iris! Foi o momento mais intenso que pude viver. Milagres existem! Num repente tudo mudou dentro de mim. Ele, como sempre brincalhão, falou que estava com saudades de cuidar de sua “menininha maluca”. Me belisquei com medo de estar sonhando! Será que tenho chances com esse senhor? Ele odiava quando o chamava assim! Gostava de irritá-lo. Ele ficava mais lindo ainda. Um brilho diferente no olhar. Só sei que tenho respirado a alegria de viver! Ontem criei coragem e mandei uma mensagem pra ele: QUER VIAJAR NUM ARCO-IRIS?