Sheila andava passando por maus bocados. Noites mal dormidas, sonhos recorrentes, suores noturnos. Palpitações! Sérios indícios de desequilíbrio energético. Seus dias estavam sufocados por sensações ruins. Estava muito difícil enfrentar o trabalho de pedagoga no prestigiado instituto de educação “Rui de Andrade”. Tudo começou há seis meses, quando se envolveu numa situação inusitada: Sheila sentada num dos bancos do jardim da escola em que trabalhava, distraída, corrigindo algumas redações, com a mão esquerda, “canhota”, de repente, uma borboleta azul turquesa pousa em seu braço direito. Pousa suavemente. Sheila, sempre teve imenso fascínio por borboletas. Supersticiosa. Sempre que surgia borboletas azuis, “Iria acontecer algo de bom”! O toque da borboleta causou surpresa e encantamento. Imediatamente, parou com a correção das provas. Tentou ficar com o braço imobilizado e respirando suavemente para evitar que ela voasse. Queria admirar de perto toda aquela beleza, azul turquesa. Sensações misturadas afloraram. Ficou por alguns minutos nesse estase. Esse instante mágico foi inesperadamente quebrado pela aproximação do diretor da escola, Sr. Antônio. Homem de traços fortes. Negro. Simpático e sensual. Eloquente. Ele tinha observado de longe toda a cena. Tentou se aproximar fazendo o mínimo ruído possível. “A borboleta voou! O charmoso diretor Antônio, sorrindo, lamentou a súbita fuga da borboleta”. Convidou Sheila para um café. Ali começou uma súbita paixão dela por ele. Exageradamente carente como era, Sheila confundiu atenção por sedução. Transferiu para Antônio todas as suas fantasias de menina-mulher. Pensava nele de modo obsessivo. Não dava trégua ao seu coração nem ao diretor. Criava situações incríveis para se aproximar dele. Antônio, amadurecido, com uns bons anos a mais que Sheila, achava graça do assédio dela. Com o passar do tempo, Sheila desenvolveu comportamento inadequado, doentio, no ambiente profissional. Todos andavam comentando, sigilosamente sobre as investidas frustradas que Sheila, andava fazendo. Antônio, equilibrado e muito profissional, chamou Sheila para um papo adulto. Incisivo, deixou claro nessa conversa, que apesar de achá-la bonita, não tinha interesse nela como mulher. Era bem casado e amava a sua família. Disse que a admirava como profissional, mas que suas últimas atitudes estavam causando bochichos maldosos entre colegas e que isso não era legal. Sheila ficou arrasada. Envergonhada. Pediu desculpas e demissão. Foi trabalhar bem longe de seu Deus Negro! Queria esquecer aquela loucura. O saldo emocional daquele período, ficou confuso em seu coração. Não entendia porque sentia tanta atração por Antônio. Alias, nem o conhecia direito! No meio dessa ambivalência, começaram as noites mal dormidas e o “maldito sonho recorrente” que passou a atormentá-la. Quase todas as noites. Queria entender emocionalmente o seu significado e livrar- se daquela cena dolorosa. Aconselhada por uma amiga, buscou ajuda numa psicoterapia que abordava sonhos e seus significados; SONHO RECORRENTE: “Menina de uns sete anos de idade, cabelo castanhos curtos e franjinha curta. Surge sempre, resfriada, nariz escorrendo levemente, até perto da boca. Expressão muito triste. No olhar, velado pedido de socorro. Usando sempre o mesmo vestido claro, com babadinho no pescoço e peito. Tecido leve, esvoaçante. Iniciado o processo da psicoterapia, finalmente, viajou dentro dos símbolos daquele sonho. Histórias com conteúdos reveladoras, emergiram. Reviu a sua mãe, Alice, solteira, assumindo sozinha a maternidade. Reconheceu que ela deu o seu melhor. Sheila não conseguiu suprir a ausência do pai, ficando um buraco emocional em seu peito. A mãe de Sheila, apenas descrevia que ele era um homem forte, negro e muito sensível. Por circunstancias da vida não pode estar presente em suas vidas. Nas sessões de terapia, Sheila reconheceu dentro de si, imagens, posturas e atitudes que ela idealizou do pai ausente. Os sentimentos retidos nessa construção emocional, começaram a emergir paulatinamente durante o trabalho de interpretação do sonho. A criança triste ressurgiu com força total pedindo socorro. Muitas lágrimas. Muitas sensações desconhecidas até então. Finalmente conseguiu falar com o pai. Conversou seriamente com ele. Falou de suas angústias e da tristeza de não tê-lo e “quanto o esperou!” A imagem refletida da idealização, foi muito semelhante a imagem de Antônio, o diretor da escola. A semelhança foi tanta que num ato falho, chamou o pai de Antônio! Conseguiu sentir a confusão e a projeção que viveu naquela louca paixão. “É como se tentasse resgatar o homem de sua vida”! Compreendeu sua carência e a necessidade de resolução do bloqueio interno reformulando emoções mal resolvidas. Sheila deu uma acordada para a realidade, pesquisa muito sobre caminhos para o grande desejo de encontrar o pai. Anda pensando em fazer, também, busca pela internet pelo “Sr. Francisco Amorim”. Quem sabe! Desde então, noites mal dormidas e sonhos recorrentes? FIM.
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