A festa de aniversário de Graciela, minha melhor amiga, foi programada há dois meses. Convidamos todas as amigas da nossa turma de psicologia e alguns alunos de outros cursos, amigos nossos também. A gente queria que tudo saísse perfeito. Fechamos um espaço bem moderninho, super bom astral, perto da faculdade. Facilitaria a ida da turma. Seria numa sexta feira, logo após o termino das aulas. “Assim ninguém faltaria”! Combinamos chegar em torno das onze e meia da noite. A excitação era grande. Contratamos até um conjunto musical. A ideia era animar o pessoal. Pouca conversa. Muita dança e tequila na cabeça! Claro que a geladinha não ia faltar também. Sucos e batidas de variadas frutas. Ninguém nem pensava em comer! Lógico que eu, como amiga da Graciela, corri atrás de um delicioso bolo de chocolate, brigadeiros e mini salgados. Tudo perfeitamente organizado. Chegou a grande noite. Vesti o meu clássico pretinho brilhante. Rasteirinha nos pés pra dançar confortável, sem dor. Cheguei ao espaço antes do pessoal. Queria conferir se estava tudo em ordem. Perto da meia noite começou a chegar um ou outro e de repente a casa foi ficando lotada. Alguns convidados levaram amigos novos e desconhecidos. Luzes lilases e negras na pista de dança. Risos e alegria. Vozes e gritinhos próprios do momento. Em meio a essa confusão toda chega um amigo acompanhado de uma moça toda risonha e falante. Logo de início achei interessante o jeito dela. Pensei que poderia ser uma companhia animada. Fomos apresentadas. Nesse intervalo de tempo, meu amigo sumiu no meio da pista de dança. Fiquei só com Carina tentando dar atenção. Ela não conhecia ninguém dali. Ficaria deslocada se a deixasse ali. Minha impressão de início, de que ela era extrovertida e legal, aos poucos foi se desmanchando. Carina não parava de falar. Engatava uma conversa na outra. Dava a impressão que ela nem respirava. Além do mais era meio grudenta. Sabe aquela sensação de estar sendo sugada? Meio vampiresca! Fui tendo um mal estar crescente. Muito ruim. Ela não dava espaço pra eu abrir a boca. Muito menos falar com ninguém. Uma das convidadas tentou chegar perto de mim, meio brincando, tentando me puxar pra dança; Carina, imediatamente segurou o meu braço para eu não escapar. Foi hilário! Ao mesmo tempo que estava irritada, estava também com certa pena dela que tentava me agradar em tudo. Expressava um certo desespero que eu a deixasse sozinha no meio da festa. Fiquei numa situação emocional ambivalente. Tenho esse problema. Sempre me coloco no lugar do outro. Naquele primeiro encontro, ela queria me contar tudo sobre sua vida. Senti, ali, que me despersonalizei. Fiquei nas mãos dela! Até me convenceu a sentar numa mesa próxima a entrada, onde tinha menos barulho. Poderia ouvi-la melhor! Ela, falando, falando. Dava a impressão que não pararia mais. “Parece que ela tinha congelado a minha expressão. Era meio diabólico o que estava acontecendo. Logo comigo, que estava fazendo o curso de psicologia! Deixar-me envolver desta forma, sem reagir! Essa situação durou eterna hora e meia. Me estranhei. Não soube me defender da voracidade neurótica daquela menina. Ela conseguiu me escravizar em sua compulsão. Fiquei indignada comigo mesma pela minha impotência e falta de atitude assertiva de lidar com aquela situação. Se eu estava desconfortável, nada mais natural do que ter jogo de cintura para me livrar do que não estava gostando. Tudo terminou só na hora de cortar o bolo. Radicalmente fugi de Carina. Até o fim da festa. Nem quis saber se ela ainda estava na lá. Medo que a dose se repetisse. Fui embora carregando aquela imagem ruim de toda essa experiência. Ficou como um peso! Sorte que na segunda feira eu tinha supervisão clínica de casos que estava começando a atender. Fiz questão de comentar essa experiência que tive com Carina. Minha experiente supervisora conduziu de forma que eu entendesse o porque provável daquele comportamento. Deixou claro que era um traço forte do caráter dela. Carência muito grande. Necessidade de se auto afirmar e de ocupar espaço. Provavelmente é a forma que desenvolveu pra ser vista e valorizada. Insegura e baixa auto estima. Falar compulsivamente é um traço de muita ansiedade. Busca para compensar experiências emocionais mal resolvidas em sua história de vida. A supervisora deixou claro que essa era uma análise superficial, já que a paciente não estava presente para avaliação global de seu jeito de ser. Com certezas haveriam outros traços a serem investigados. Sai da supervisão com uma nova sensação em relação a Carina. Fiquei meditando como os caminhos emocionais são determinantes para o nosso equilíbrio mental e físico. Como as pessoas ficam ancoradas em meio às suas próprias neuroses, sem achar o caminho da libertação de seu verdadeiro eu. Encobertas. Infelizes. Vão se aprofundando inconscientemente nesse desiquilíbrio, cada vez mais. NÃO SABEM COMO PEDIR SOCORRO!
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