Dalton acordou no último dia do ano disposto a infernizar a vida de Adriana, mais uma vez. Insuportável. Sem respeito. Ingrato. Coitada! Desta vez ele se deu mal. Adriana estava decidida. Não iria mais se dar a esse papel. Pensou:- Tem que ser “Santa”! Manter a paz e ser feliz com esse homem é impossível! Revoltou-se naquela manhã. Estava persuadida de que ele não a merecia. Nem quis mais lembrar que ele era vítima de sua própria história. Essa ideia sempre surgia para amenizar os efeitos colaterais das atitudes insanas dele. Sempre o desculpava. Tentava pensar sobre os poucos pontos positivos do caráter dele. Mas, já estava desanimada. Ele reincidia sempre. Seria uma boa pessoa, não fosse o corrosivo conteúdo emocional. Muita repressão sofrida na infância transformou-o num ser individualista e ácido. Seus valores tinham que ser sempre os melhores! Queria ser a boa referência em tudo. Quando Adriana se apaixonou não tinha a menor ideia do que a esperava na convivência com ele. Menina sensível, capaz de conversar com plantas e Anjos. Quis o destino que ela caísse nessa armadilha neurótica que Dalton representava. Desiquilibrava até um santo! Adriana já tinha puxado o gatilho. Apaixonada ainda! Mágoas acumuladas com paixão adoecem a alma. Seu lado racional avaliou todos as angústias vindas da relação. A realidade ficou mais forte do que as fantasias construídas. Assim que foi percebendo o profundo desajuste emocional em que estava metida, ficou mais atenta às circunstâncias. Foi dando um tempo. Adriana era assim: – pele clara, textura de marfim, olhos negros e risonhos. Dentes incrivelmente brancos e fortes. Emanava uma energia contagiante. Alegria de viver! Foi criada sem grandes repressões. Um dos únicos problemas sérios de sua infância foi a dificuldade financeira enfrentada junto à família. Conseguiu driblar bem essa questão. Aprendeu a não ser consumista. Gostava da simplicidade da vida. “Vinha de uma família simples porém com ótimo contato afetivo.” Sua ambição era aprender coisas novas e tudo que se relacionasse ao desenvolvimento humano. Estudou em escola pública de boa qualidade. Isso a ajudou a desenvolver seus melhores aspectos intelectuais. Escolheu “pediatria”. Conseguiu entrar na universidade. Formou-se com boa qualificação. Foi num de seus estágios que conheceu o “doutor Dalton”, diretor de um renomado hospital de sua cidade. Dirigia todo o setor de obstetrícia. Ele ficou fascinado por Adriana. Começaram a namorar assim que os olhares se cruzaram. Tinham em comum muito amor pelas crianças. Por isso a escolha profissional. Adriana, como toda mulher sensível, maternal, sonhava ter muitos filhos num futuro próximo. No início da relação com Dalton, tudo foi encantamento. “A intimidade aumentando, o pacote neurótico se abrindo”. Embora Dalton tentasse, não conseguia conter suas destrutivas reações emocionais. De repente, do nada surgiam discussões pesadas. Intensos conflitos emocionais. Atitudes verbalmente agressivas. Quando ingeria álcool essas reações ficavam num grau insustentável. Era do tipo que não suportava uma opinião contrária à sua. Esquecia o significado de respeito e de limite. Discordar dele era briga certa. Azedava o dia. Depois se fechava numa atitude fria e distante. Podia durar dias sem conversa ou contato. Como se quisesse se auto afirmar destruindo Adriana. Nunca pedia desculpas. Era Adriana quem buscava a reconciliação. Esse comportamento repetitivo foi destruindo os sonhos. No nono mês de convivência, Adriana acordou. Embora ainda apaixonada, seu lado saudável gritou mais alto. Ficou imaginando como seria o futuro ao lado de um homem com as atitudes dele. Quantos desgastes energéticos. Tinha aprendido com seus pais que ninguém é feliz quando não há respeito. Quem não se respeita não tem boa auto estima. “Quem se respeita é respeitado”! Dalton não a respeitava. Sufocava a sua identidade. Criticava acidamente os gostos musicais ou preferências alimentares dela. Se em nove meses já se comportava assim, como seria lá na frente? A identidade sensível e forte de Adriana lhe respondeu sem titubear:- Sai dessa enquanto é tempo! Melhor sofrer agora do que pagar pelo preço de uma má escolha, pelo resto da vida. Estava decidida que não viveria de aparências. O mal resolvido Doutor não iria transformá-la num fantoche, sem identidade. Não, isso não! Mesmo assim, naquela manhã do último dia do ano, Adriana tinha acordado leve. Com muita energia. Resolveu fazer uma surpresa para Dalton. Cantarolando, foi preparar para eles um desjejum caprichado. Otimista como era, decidiu dar o seu melhor, apesar da certeza de que nunca mais toleraria alguma atitude neurótica de Dalton com ela. Iria tentar um começo de ano novo saudável. Dalton ainda dormia. Frutas, cereais, queijo e pãezinhos torrados. Café bem curto. Como ele preferia. Ao contrário dela, que adorava cafezinho bem fraco. Preferiu agradar o seu amor! No rádio tocava um samba que Adriana amava. Teve o cuidado de fechar a porta para não acordar Dalton. Começou a cantarolar, distraidamente. Animada, aumentou um pouco o som. De repente, Dalton furioso, abriu a porta da cozinha. Descontrolado. Sem a mínima empatia. Xingando alto, desligou o som. Ele não tolerava samba. “Que merda de música! Que gosto horrível!”. Grosseiro e insensível. “Última gota d’agua no copo”. Foi como um balde de água fria. O café esfriou. A festa acabou. ALI COMEÇOU UM NOVO CICLO DE ADRIANA!
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