Maria Carolina, catarinense, alta e esguia. Porte orgulhoso e nobre que tenta manter diante das adversidades da vida. Criada a beira mar, adorava andar descalça nas areias macias das praias que frequentava. Uma ligação muito íntima com as águas. Sempre nadou como sereia. Nos dias de boas ondas pegava sua prancha e sumia no mar. Com a separação de seus pais, aprendeu a se defender sozinha das angústias que acometiam o seu coração. Foi difícil enfrentar essa nova realidade. Muita coisa mudou em seus dezessete anos de vida. As águas já não eram tão azuis! Amava seu pai. Modelo de homem. Imperfeito, perfeito! Identificava-se com ele. Modelo desfeito como vapor dissipando-se no ar. Insegura e triste buscou desesperadamente novas referências. Nesse estado de extrema fragilidade, conheceu André Luiz. Personalidade semelhante à do pai ausente. Visual bonito. Determinado e inteligente. Sedutor. “Soube seduzir a sereia”! Num repente, para ela parecia que a vida estava colorida novamente. Transferiu para “Dezinho”, esse era seu apelido, toda sua carência e instabilidade emocional. Ele, com vinte e oito anos de idade, agia como um homem maduro e experiente. Aspectos que encantou ainda mais Maria Carolina. Em seu interno houve uma substituição da figura paterna. (Começo do grande problema)! Sem se dar conta, entrou nessa relação com o papel de filha. (Teria que obedecer às regras de Dezinho). A mulher cheia de desejos e sonhos ficou escondida, bloqueada em seu interior. Sem identidade adulta. Relação iniciada fora dos padrões saudáveis entre um homem e uma mulher! Depois do encantamento a filha foi descobrindo o pai sem escrúpulo e sem respeito com quem tinha construído sonhos. Chocou-se. Já conhecia esse filme! A revelação deu-se pouco tempo depois de estarem vivendo sob um mesmo teto. Com traços psicopatas, André Luiz sabia muito bem fazer igual a um morcego (chupa o sangue e lambe). Subjugava Maria Carolina nos pequenos detalhes da vida rotineira de um casal. Desrespeitava sua companheira, na intimidade e publicamente. Apelidos pejorativos à sua imagem de mulher. Críticas ácidas e destrutivas constantemente. Sentia-se o dono dela. Detestava que ela reagisse com brigas ou lágrimas. Dizia, com voz ríspida ou sarcástica, que ela era chata e mal humorada. Uma criança chorona! Precisava virar mulher e saber ser feliz com ele. Depois, simplesmente, fechava o tempo! (Atitude recorrente). Esses episódios significavam apenas uma pitadinha dos momentos abusivos que aconteceram ao longo de seu relacionamento. Almoço em casa muitas vezes foram sinônimos de brigas e humilhações. André Luiz despejava gratuitamente suas neuroses e traços patológicos de seu caráter sobre sua bela e insegura Maria Carolina. Esse sofrimento sufocado, aos poucos, a foi definhando. Emagreceu. Deprimiu. Foi perdendo vitalidade e alegria de viver. Nessa auto sabotagem, inconsciente, Ana Carolina não percebia a areia movediça em que estava atolada. Sentia-se muitas vezes a vilã da história. (Será que sou eu a errada?). As palavras de André Luiz, muitas vezes, a convencia de ser a culpada pelo inferno emocional entre eles. “Duvidava dela mesma”! Assim foi transcorrendo o tempo e Maria Carolina resignando-se com o clima de desrespeito e humilhação. Adaptou-se naquela relação, destrutiva e invasiva, de uma forma patológica. O fato de não conseguir engravidar foi outro aspecto que a enchia de culpa e aumentava sua baixa auto estima. Passou a sentir-se incompetente sexualmente, como mulher. Noites e noites mal dormidas. Não conseguia se desvencilhar desta prisão de dependência emocional e de auto- sabotagem. Passados seis anos nesse quadro doentio, surgiu uma viagem profissional de André Luiz ao exterior. “Momento transformador!” Maria Carolina resolveu ir em segredo visitar a avó materna que morava no sul. Desde que veio residir em São Paulo, não tinha mais voltado à Santa Catarina. Morria de saudades, mas não se permitia. Desta vez, resoluta, enfrentaria o seu medo. Encheu-se de coragem e foi matar suas saudades. Respirar ares novos. Nem questionou de onde veio essa força. (Foi assim como um passarinho acostumado com a gaiola mas que não esquece como era voar). Aproveitaria e mataria todas as saudades acumuladas e doloridas. “Mãe e avó moravam juntas há seis anos, desde o seu casamento”. Tinha noção de ter evitado esse encontro por conflitos entre elas e André Luiz. Definitivamente ele não gostava delas. Nem elas dele. Evitavam piorar o casamento fragilizado de Ana. Comunicavam-se através de telefonemas oportunos, embora a amassem muito. André Luiz as considerava ignorantes e desniveladas. Maria Carolina se afastou da família tentando preservar o relacionamento já tão desgastado. Abriu mão de suas origens e afetos genuínos. Sentia-se ameaçada! (Síndrome do sequestrador e sequestrado)! Agora, com a chance da viagem prolongada de “Dezinho”, sentiu-se invadida por uma nova energia. Resolveu ir passar um fim de semana. Talvez dar uma esticada maior. Aproveitaria também pra matar saudades dos amigos de infância. Tão esquecidos! Especialmente Renatinho, com quem, nos bons tempos, viajava nas ondas do mar azul. Soube que ele estava solteiro ainda. No dia da viagem, acordou ansiosa. Feliz da vida. Tomou um banho e café rápido. Chamou um taxi. Chegou cedo ao aeroporto. Coração disparado. Há quanto tempo não se sentia tão leve! Durante o voo, sentiu-se literalmente nas nuvens. Assim que chegou em Florianópolis sensação maravilhosa. Frio na barriga. Custou a acreditar. Prepararam uma festa surpresa. Não esperava por tanta alegria. Radiante. Reviveu emoções profundas registradas na alma. Tanta gente querida! Encantou-se. Especialmente com Renatinho. Velho companheiro de tantas brincadeiras. Tornou-se um rapaz forte. Porte atlético. Surfista profissional. O abraço entre eles selou um recomeço de algo que nunca deveria ter sido interrompido. Conversaram horas a fio. Mãos entrelaçadas. Nem disfarçavam a explosão de sentimentos emergidos. A paixão nasceu ali! O paraíso chegou. Maria Carolina não mais voltou à capital. Abandonou seu cárcere e o sequestrador. Quer surfar corajosamente nas ondas do amor próprio e auto respeito. Já entendeu que o tom das águas depende somente dela. Não admite mais ser engolida pela baleia assassina. Já sabe se proteger!