Realmente ele tinha razão! Sempre em nossas brigas, desde o namoro, quando o ameaçava que iria abandoná-lo, Sergio dizia meio que tirando sarro:- ” Vai. Você não aguenta um dia longe de mim, boneca!” Furiosa eu zombava de suas palavras, ridicularizando-o. Nunca admitiria ser emocionalmente dependente dele, mas, na realidade, era simbiótica mesmo. Respirava sua presença. Muita carência minha! Amava mais à ele que a mim mesma. Pensamentos e fantasias giravam em torno de Sergio. Paixão aguda! Parecia uma doença. Também, tinha minhas razões. Ele era um perfeito galinha camuflado. Discreto, mas galinha! Eu ciumenta assumida. Já tinha sido alertada por uma amiga sobre isso. Desde os tempos de faculdade ele era assim. As meninas sempre tinham um bom motivo pra falar com ele ao pé do ouvido. E o pior é que ele adorava. Eu sentia um misto de raiva e insegurança. Quatro anos assim. Angustias! Tempo passando. Formatura. Carreira. Muitas experiências. Amamos e sofremos. Crescemos juntos. Brigas. Discussões inflamadas. Ele mais contido que eu, porém, quando o bicho pegava. Terremoto! (Amar e sofrer são condições emocionais que ficam registradas no inconsciente). Em meio à esse relacionamento tumultuado, de repente, a gravidez inesperada! Nossa! Ambivalência total em meu interno. Misto de alegria e medo. Conflito danado! Enfim. Assumimos. Fomos morar juntos. Adaptação à vida nova não foi fácil. Correria profissional de Sergio, junto a minha, acrescida à gravidez. Contas a pagar. Rotinas de um casamento. Ufa! Em meio à essa turbulência surgiu na carreira de Sergio, uma importante viagem profissional ao Japão. Depois de muita conversas, decidimos irmos juntos. “Sempre quis conhecer a magia daquele pais”. Fantasias minhas, não faltavam naquela arquitetura única. Nem questionei com meu obstetra, se havia algum risco para o bebê, estava me sentindo tão bem! Imaturidade minha. “Parecia que a viagem era mais importante que tudo”! Durante o voo, náuseas e vômitos me acometeram. Entrei em Pânico. Aflorou, insegurança descontrolada. Não via a hora de chegar em terra firme. Nunca pensei passar por tanto medo na vida! Suava frio. Tive assistência médica na aeronave de um médico a bordo. Medicou um calmante natural, no entanto, eu estava muito alterada. A gestação de quatro meses, tão tranquila se transformou em um imenso pesadelo! Assim que o avião pousou no aeroporto de Tokyo (Haneda), vieram fortes cólicas. Fiquei transtornada. Naquele momento senti o tamanho do medo de perder o meu bebê. (Insegura, num país tão distante). Fui direto para o hospital. Ainda bem que Sergio falava inglês. Os médicos explicaram que fizeram de tudo, mas, não deu jeito, o meu quadro piorou. Sofri um aborto. Doloroso demais. Chorei todas as lágrimas de uma vida. O mundo acabou para mim! Minha relação também. Não sei porque, passei a não conseguir olhar para a cara do Sergio. Acho que inconscientemente eu o culpava. Absurdo! Uma forma de fugir da culpa que assolava minha alma. No Japão, enquanto me recuperava numa clínica, Sergio mal conseguiu realizar o seu trabalho. Estávamos muito abalados. Voltamos calados para o Brasil. Não suportamos a dor. Afetou nosso equilíbrio emocional, profundamente. Sergio, ao contrário de mim, sabia sofrer calado! Era mestre nisso. Muito introspectivo. Rígido. Eu só chorava. Nesse clima depressivo, fui direto para a casa de minha mãe. Estava precisando de colo amigo. Confiança incondicional. Lá fiquei. Não consegui voltar para a companhia de Sergio. Sentimentos confusos e absolutamente enlouquecedores. As entranhas sangravam! Depois disso nos separamos. Após um ano, me vejo sozinha e ainda, amargurada. Saudade e culpa batem fortes. Saudade do filho que não conheci. Saudade do amor que perdi. Saudades de mim! Dos sonhos perdidos. O aborto despedaçou tudo que eu tinha construído em minha vida de mulher. Hoje, trinta e quatro anos de idade, me sinto frágil e com muitas dificuldades de recomeçar a vida. Pensei até em entrar num convento e abandonar o meu cargo de secretaria executiva. Em meio à esse sofrimento, na última quinta feira, durante um café, conversando com uma cliente, Clarice, percebendo meu abatimento, com muito tato, sugeriu uma psicoterapeuta, que segundo ela seria capaz de me ajudar. Surgiu enfim, um ponto de luz. Quem sabe! Quero limpar sequelas de um aborto físico e emocional que ficaram impregnadas em meu eu. “POR ISSO ESTOU AQUI”!
Relato de Sandra Albuquerque, em sua entrevista no consultório de Ana Beatriz, psicoterapeuta especializada em Reich.