Duas e meia da madruga. Insônia terrível insistindo em atormentar a minha noite. Arrumo o travesseiro. Quem sabe assim melhora o peso na cabeça! Viro para o lado direito. Para o esquerdo. De bruços. Que nada! Droga! Levanto-me. Vou fazer xixi. Aproveito e pingo um colírio nos olhos, para aliviar a queimação. Tomo um copo d’água quase gelada. Sinto-me melhor. Olho no relógio. Duas e quarenta e cinco. Rapidamente passa pela cabeça que, dali a pouco, terei que me levantar. O trabalho me espera! Resolvo desligar o despertador. Tenho que dormir, nem que seja um pouquinho. Quinze minutos já vão ajudar. Será difícil encarar o dia assim! Areia em meus olhos continua. Não adiantou nada o colírio. Pareço insana. Colírio nunca curou sono! Muita excitação. Não consigo dormir. Saio do quarto. Decido ir ao computador. Antes, lavo o rosto no lavabo. Água fria no rosto alivia os olhos pesados. Vou tentar escrever um pouco em meu blog. Talvez assim o sono chegue mais fácil. Mal me acomodo na cadeira em frente à máquina, o coração dispara. De novo aquela imagem. Fixa. Par de olhos rasgados. Cor de mel. Estranhamente sedutores. Carregados de magia e mistério, que fazem aflorar os meus sentidos mais loucos. Aperto no peito começa a incomodar. Frio na barriga. Gostoso. Ruim! Sei lá! Não estou me entendendo. Será que Deus me entende? Será que ELE já sentiu isso? Nossa! Estou enlouquecida. “Louca e pecadora”. Não consigo me concentrar nos textos que trabalho. Sensações ambivalentes. “Preto e branco”! Contraste angustiante. Cabeça começa a doer. Alma e entranha se misturam. Devastadora perda do auto controle. Estou péssima. Sou ridícula, escrava dos sentidos. Ventre arde como um vulcão em erupção. Num repente, minha mente quer ser ouvida. Fico surpresa e aliviada. Saio do transe. Volto os olhos para o artigo que estou escrevendo . Respiro fundo e busco lucidez. Começo a escrever sobre “revolução dos sentidos”. As lavas do vulcão querem destruir toda a carne de meu corpo. Toda a serenidade. Não quero mais sangue escorrendo pelos poros. Esvaindo toda a energia. Ficar como um carro desenfreado passando por cima de meu equilíbrio. Preciso de cores! Árvores frondosas. Sombras e ventos. Preciso do sol. Arco íris da vida. Pausa. Necessito, por alguns segundos, inspirar e expirar novamente. Retomo o texto. Não serei escrava dos desejos. Pausa novamente. Leio o que escrevo. Acho tudo confuso. Não importa! Tenho que ser fiel ao que sinto. Volto a teclar:- Pensando bem é uma grande bobagem sentir desejos. Para que? Submete. Despersonaliza. Desejo não tem cura! Doença incurável. Pausa para nova respiração. Capricho, principalmente na expiração. Preciso concluir esse ensaio. Certa vez li um livro que dizia para não sermos escravos dos sentidos. Essa dependência é como droga. Tira o chão. Ridiculariza a alma. É como se atolar na areia movediça. Asfixia. Alma se enterra nas vísceras. Vira fantoche. Sem rumo! O desejo é corrosivo. O desejo mata. Renuncio! Penso num título para esse devaneio: RENÚNCIA DOS DEUSES!
( Relato de Clarice, em terapia. Jovem escritora. Momento de angústia e conflito em sua jornada).