Tive bons amores. Vários tipos. De várias maneiras. Amores de paz. Amores infernais. Amores doces. Amores amargos. Amores platônicos. Até que encontrei Bernardo! Pra mim significava a soma de todos eles. Então o escolhi! Não foi pelo seu olhar misterioso. Tampouco pela voz envolvente. Nem pela mãos impressionantemente fortes. Elas falavam em seus gestos. Transmitiam tanta segurança! Engraçado, é como se elas mobilizassem os meus sentidos. Tinham uma energia única! Também não foi por causa delas que eu o escolhi. Nem pela sexualidade sempre fervente que me levava às nuvens. Nem seus ardentes beijos cheios de desejo. Não, não foi! O que me prendeu e enfeitiçou e fez com que eu o eternizasse dentro de mim, foi a estrutura de ser humano que imaginei que ele fosse. Cada encontro, uma descoberta. Cada descoberta era como se fosse uma peça a mais para completar o quebra cabeça em meu coração. “O homem ideal”! Parece loucura mas tinha uma certa lógica. Depois de ter sofrido decepções, achei ser essa uma forma de não errar em uma nova escolha. Bernardo era a síntese dos meus anseios. Um ser humano equilibrado: razão e emoção. Coração quente. Pensamentos organizados. Simpatia contagiante. Sabia colocar nas palavras a emoção correspondente. Uma delícia de papo. Nosso primeiro encontro foi inesquecível para mim. Aconteceu na praça da igreja de onde eu morava. Lembro, era uma noite de lua cheia. A claridade da lua enfeitava toda a praça. Eu e ele sentados num banco bem embaixo de um pé de ipê. O luar estava tão intenso que dava pra ver as flores do ipê dourado, reluzindo como se fosse um dia de sol. Foi ali que aconteceu o nosso primeiro beijo. Gosto de canela e cravo. Quanta saudade daquela noite! Naquele momento, misturados aos sentidos, os aromas do delicioso doce de abóbora de minha avó. Ela fazia sempre que eu ia em sua casa, quando criança. Adorava aquele gostinho de cravo e canela que ela colocava nos doces e compotas de frutas. Ao sentir o beijo, me arrepiei toda. Prazeres misturados. Sensações deliciosas e muito tesão! Mexeu com minhas entranhas. De todos os beijos que experimentei, aquele foi o mais marcante. Inesquecível! Suas mãos e o seu beijo me colocaram no cativeiro da paixão. Mesmo assim, escravizada, eu não teria escolhido Bernardo se ele não tivesse preenchido a imagem do quebra cabeça do homem ideal. Mas as peças se encaixaram. Uma a uma. Ficou perfeito. Em meu coração já havia acabado o encaixe. “Bernardo”! Não demorou muito fomos morar bem no pé da serra. Casa gostosa e simples. Muita natureza e vida. Esquilos apareciam por lá. Gatos e cachorros numa irmandade exótica, brincando pelo quintal, junto com galinhas cacarejando por toda parte. Pássaros de toda espécie, com seus cantos, nos acordavam todas as manhãs, sinalizando o nascer do dia. A gente só saia de lá para dar aulas no colégio, num bairro próximo. Fins de semana eram o momento de receber amigos especiais com comidinha caseira. Fogão à lenha. Minha única divergência com Bernardo, era na escolha do prato. Sou vegetariana. Ele não. A gente sempre acabava num bom consenso. Não tivemos filhos, por escolha. Talvez um dia, quem sabe! Se não desse pra ter um filho da barriga, tudo bem. Adotaria! Afinal, tantas crianças precisam de um lar. Amor não ia faltar! Assim a vida transcorreu por sete anos. Os beijos variando em muitos sabores diferentes. Incrível sensação de estar viva. Afrodisíacos! Mas, não sei bem o que houve, depois de um certo tempo, os beijos foram se rareando e ficando sem sabor. Fui me assustando. Era ele ou eu? As conversas ficando cansativas. Cinza! Faltava tesão pra continuar. O paraíso no meio do mato foi se entristecendo. Até então eu nunca tinha pensado em viver de outra forma. Aquele tinha sido o mapa traçado pelo meu coração. Como não me dera conta da lenta intoxicação emocional que foi tomando conta de nossa relação? Bernardo ficava sempre na dele. Evitava discussão. Pra ele tudo estava bom. E agora? Ficamos meio perdidos. Eu não conseguia viver sem sabor. A vida muitas vezes faz conspirações para mobilizar sentimentos adoecidos. Num feriado da independência tive que levar meus alunos no desfile oficial da escola. Eu iria sozinha. Naquele dia, antes de sair de casa, beijei muito as minhas cinco cachorrinhas. Elas me passavam uma energia incrível. Na verdade eu as chamava de filhas. Com elas os sabores não mudaram! Dei um tchau chocho para o Bernardo e fui ao encontro, com os meus alunos. Era um dia quente e nublado. Eu rezando pra não chover. Lá no desfile apareceu um rapaz alto. Boa aparência. Não tirava o olho de mim. Há tanto tempo eu não prestava atenção pra isso! Já tinha até esquecido dessa sensação. Aquela situação me deixou constrangida. Envaidecida e sem jeito. Afinal, eu era uma mulher casada. Não tinha perfil de infiel. Sempre me preocupei com a minha reputação. Nunca gostei de galinhagem. Acho que por estar carente e confusa emocionalmente, de algum jeito, eu alimentei aquela sedução. Olhar insistente, o rapaz se aproximou. Num segundo, faiscou meu coração. Me senti adolescente novamente. Cheia de vida e com uma certa culpa apertando o peito. Mesmo assim, voltei pra casa feliz! Me sentindo bonita. Atraente. Até minhas cachorrinhas me estranharam. Os hormônios nos traem! Não sei como aquele rapaz sedutor conseguiu o meu telefone. Foi ficando tão forte. Não resisti aos assédios. Cedi. Resolvi me aproximar do Francisco. Aquela imagem de um homem carente e charmoso, não saiam de minha cabeça. Mexeu em minhas carências. Fiquei com ideia fixa no seu olhar. Me estranhei! Disfarçar de Bernardo foi ficando difícil. Acho que, por me sentir diferente, ele começou a se preocupar com a gente. Buscava me agradar nos detalhes. Comeu até comida vegetariana! Fiquei extremamente dividida. Fui perdendo a referência interna de meus sentimentos. Confusão e muita dor. Olhava Bernardo e sentia amor. Tesão, não! Olhava para o Francisco, sentia tesão. Amor não. Apenas preenchia as fantasias de uma mulher carente. Ele insistindo na sedução. Mostrando sempre o seu melhor lado. Idealizando a vida dele comigo. Era tão exagerado quanto o antigo Bernardo. Isso me envaidecia o ego. Também me assustava. Fiquei assim por alguns meses. Driblando os meus dois homens! Até me sentia poderosa. Não montei um quebra cabeças para o Francisco. Apenas ficou no platônico. Embora eu sentisse vontade de experimentar o novo, resisti. Era contra os meus princípios. Sou a chamada “certinha”! Herança de mãe! Comecei a somatizar toda aquela angústia. Usei o racional e resolvi sair daquela droga em que me meti. Organizar a minha vida. Me sentia empobrecida emocionalmente. Entre dois amores. Sem nenhum de verdade. Não queria dessa forma. Busquei uma psicoterapia decente. Um profissional experiente. Descobri que estava na crise dos sete anos. Casamentos podem ser assim! Entendi que corria sérios riscos de perder construções insubstituíveis. Perder a luz que eu já conhecia. Entrar no escuro do desconhecido e caminhar até o mesmo ponto em que estava agora. Amores se constroem ao longo do tempo. Tempos ruins fazem parte da trajetória. Um bom marinheiro, em tempestades, “leva o barco devagar”. Compreendi que estava fugindo de mim mesma. Fiz uma retrospectiva para encontrar o início da crise. Aprendi abrir o peito. Respirar. Sentir e expressar. Senti que entre eu e o Bernardo não cabia mais ninguém. Só muito amor! Nós éramos o suficiente um para o outro. Nenhum desconhecido preencheria, saudavelmente, esse espaço em minha relação com Bernardo. Eu teria que me encarar. Tinha um grande amor em jogo. Hoje sei que carente atrai carentes! A neurose se fixa nesse ponto e torna a pessoa imatura e sem bases sólidas na realidade. Os afetos e carinhos adormecidos durante esse período de crise estão sendo acordados. Assumi meus descuidos. Bernardo os dele. Está sendo maravilhoso sentir novamente o sabor de cravo e canela. Francisco? Sou grata a ele. Possibilitou que eu reconhecesse a diferença entre o amor verdadeiro e a fantasia erótica. “QUASE ENTREI NUMA GELADA”!
RECOMEÇO! (ARREPENDIMENTO).
Coração apertado, rubor no rosto e faíscas no olhar, Madalena não conseguiu disfarçar a raiva que sentiu de João Pedro naquela noite em que renasceu. Aquele hipócrita articulado, disfarçado de bom moço, sabia muito bem ser gentil e delicado no círculo social. Lá ele representava o sensível e educado. Sabia usar palavras bonitas de se ouvir. Usava como armas sedução gestual e verbal, atraindo muitos admiradores. Seu fã clube era de pessoas interesseiras e desestruturadas, tanto quanto ele. Tinha um bom público para alimentar seu ego doente. Quando Madalena o conheceu, era uma carente sonhadora. Foi numa festa de fim de ano na casa de sua amiga Betina. Imatura e sem identidade, passou a fazer parte daquele público, também. Caiu na sedução dele como um patinho. Foi naquele momento, sem ter a menor consciência, que começou o seu caso de paixão auto-destrutiva. Período desgastante de sua vida como mulher. Auto-destruição embalada em papel dourado! No início do relacionamento, sentia-se como uma mortal privilegiada que conquistou o paraíso. João Pedro gostava disso. Sentir-se um Deus! Tinha um núcleo bem psicopata. Poderoso e admirado. Enquanto ela cumpria as regras do jogo dele, conseguiu segurar a relação, mesmo que doendo ou sagrando repetidas vezes. Sofria. Engolia a seco e perdoava. Houve momentos em que sentiu vontade de jogar a toalha e dar seu grito de liberdade. Mas logo recaia nas garras envolventes daquele homem, reprimindo mágoas e ofensas. Dessa forma, novamente, dava uma chance a ele. Assim o tempo foi passando. Com o aumento da intimidade, não teve jeito, foram caindo as máscaras de João Pedro revelando-se um homem frio e sem empatia. A falta de respeito e a desqualificação que sentia pelas mulheres que se envolviam com ele foi ficando cada vez mais explícita. A relação foi entrando num ciclo constante de brigas, ofensas e reconciliações. A rotina do dia-dia foi ficando pesada… Ele não perdia uma chance de se auto-afirmar através de sua atitude grosseira e pequena. Desrecalcava sobre Madalena toda a sua baixa auto estima e raiva que sentia das mulheres. Após cada crise, João Pedro fazia igual ao morcego: chupava o sangue e depois lambia! Suas lambidas eram doces o suficiente para Madalena não fugir. Crise e perdão! Isso tornou-se constante no relacionamento deles. Depois de um certo tempo, lá, bem no fundo do coração de Madalena, começou a surgir um certo desconforto com aquela situação neurótica. Foi sendo gestada uma vontade enorme de se reinventar como mulher. Ela continuou por uns tempos calada com aquela consciência libertadora crescendo dentro de si. Já não conseguia dormir direito. Começou a incomodar muito a situação de ter que se esconder na sombra de João Pedro para manter a relação. Homem que tentava anular a sua identidade o tempo todo, querendo-a submissa e frágil. Em algum ponto de seu interior já tinha tomado a decisão de não querer mais se submeter à neurose de João Pedro, em troca de uns carinhos baratos que ele chamava de amor. “Na verdade ele era apenas um homem insensível e fraco, digno de pena”. Madalena começou a ouvir os sinais de seu coração. Foram se intensificando! Culminou naquela noite em que vermelha de raiva com os olhos faiscando de tantas mágoas e ressentimentos cultivados por João Pedro ao longo da relação. Naquela noite do famoso baile à fantasia que acontecia todos os anos no clube, Madalena tinha se preparado da melhor forma que conseguiu. Iria fantasiada de “Princesa das Estrelas”. Ela mesma tinha confeccionado o modelo. Parecia mais com uma fada. Sentia-se linda. Cheia de lantejoulas. Brilhava mais que uma constelação! Quando João Pedro chegou em casa naquela noite, ela já estava maquiada e vestida para a festa. Mal entrou no quarto, irônico, criticou a fantasia e o penteado de Madalena. Foi como um balde de água fria em cima dela. Ela sabia que ele era grosseiro e insensível, mas agora estava disposta a assumir seus próprios desejos. Tinha levado a tarde toda se arrumando com esmero. Não se permitiria mais ouvir críticas ácidas. Destruidoras. Ele, nessas críticas, costumava usar um tom de brincadeira para expressar o seu recalque. Na verdade, ele queria que ela fosse vestida de “madame rica”! Não tolerava não ser obedecido em seus desejos. Ela não gostou da sugestão. Resolveu fazer uma surpresa. Para ele isso era imperdoável. Um desacato. Achava mulher um instrumento de exibição! Não podia ter personalidade própria. A vontade dele tinha que prevalecer sempre! Depois dessa cena de desrespeito e emocionalmente agressiva, Madalena se desmontou internamente. Em outros tempos ela até engoliria a raiva e a imagem da moça compreensiva e acatada prevaleceria. Agora não! Trancou- se no banheiro e chorou. Chorou muito! Choro decidido. Lágrimas, direto do coração! Mágoas antigas, somadas às atuais, lhe deram a dimensão exata do abismo entre eles. Ficou trancada por quase duas horas. Foi parando de chorar e concomitantemente foi tomando a decisão de ser leal a ela mesma. Dirigiu-se até o espelho e se olhou profundamente. Enxugou os olhos delicadamente. Com um carinho e cuidado nunca sentido. Retocou a maquiagem borrada até ficar perfeita. Construiu mentalmente um novo caminho a seguir. Sentiu-se forte e bonita. Cheia de vida! Foi até o sofá da sala, onde o seu algoz se divertia vendo futebol e tomando cerveja. Deu o seu grito primal! Gritou tão forte que ele, assustado, derrubou o copo de cerveja das mãos. Ficou mudo! Madalena vociferou tudo o que estava travado na garganta, há tempos. Finalmente a sua libertação! Ali começou a sua mudança. Pegou seus pertences principais e colocou numa maleta. Respirou fundo numa sensação de alívio como há muito tempo não sentia. Iria satisfazer seus desejos e sonhos, sem ter que passar pelo julgamento de ninguém. Assumir a sua vida integralmente. Foi até a garagem, ligou o seu carro sentindo-se poderosa como nunca. Partiu em busca da felicidade. Soube-se depois que o baile foi incrível. Animado e colorido. Teve até concurso de fantasia. Adivinhem quem ganhou? Parece que o destino conspirou a favor. Lá na festa estava o “Astro Rei”que se apaixonou pela “Princesa das Estrelas”. Desde então não se desgrudam. ILUMINAM OS CAMINHOS COM O SEU AMOR!
ESTRADA DA VIDA! (LIVRE ARBÍTRIO).
Saúde integral é um papo muito sério. Um útero quente e com bom contato é um ótimo começo de vida. “Útero quente, energia pulsante”! A criança, logo de cara, recebe uma carga saudável de energia. Isso é suficiente, mas não basta para ser um adulto integrado. É preciso haver continuidade saudável nos sequentes ciclos da vida. Para se pensar em integração, precisamos entender os diferentes níveis de desenvolvimento que compõem a formação do nosso ser. Cada nível está ligado a determinada fase. Somos o saldo das somas dessas fases. Podemos não ter tido uma soma satisfatória, porém, sempre haverá a chance de melhorar pela expansão da consciência. Recuperar o que for possível e crescer. Escolher e selecionar tudo que estiver ao alcance, são atitudes fundamentais que vão interferir nessa trajetória. Não dá para escolher a nossa genética. Não podemos escolher a família em que nascemos. Nem escolhemos nossa mãe ou pai. Isso talvez represente uma escolha de alma. Não temos acesso consciente nesse nível de escolha. Para quem acredita, faz parte de um outro momento da evolução! Tampouco podemos escolher as nossas características físicas ou mentais. A genética é responsável por boa parte daquilo que somos. Ainda bem que não é responsável por tudo! Tem um porém: independentemente da genética que herdamos, poderemos escolher o saldo humano em que vamos nos tornar. Livre arbítrio tem essa finalidade. Na liberdade de escolha se inicia a responsabilidade sobre nós mesmos. Não há precisão sobre esse exato momento. Talvez seja quando já tivermos aprendido a diferença entre o “joio e o trigo”. Talvez não! Nem sempre a lucidez acompanha os atos. O emocional muitas vezes nos confunde e nos trai. Atitudes e escolhas podem depender muito da educação e do meio em que crescemos. Da nossa estrutura psíquica. Nesse quadro, a família tem um peso fundamental nessa estruturação. A escola paralelamente pode dar um reforço. “A família forma. A escola informa.” Quando essas funções não são vivenciadas plenamente, muitas vezes, abre-se um espaço, em que boa parte da mídia atua de forma tóxica. Estimula valores fúteis e supérfluos nos aspectos alimentar, psicológico e social. “Isso pode nos afastar da nossa primeira natureza”! Intoxicação emocional e física. Ambas estão intimamente interligadas. A família mais estruturada, que atua com princípios saudáveis e equilibrados, pode ser o divisor de águas para o desenvolvimento de um ser humano singular. Tão necessário nesse mundo. Quando essa pessoa tiver condição de exercer o seu livre arbítrio, terá bases mais firmes e equilibradas. Essa é a melhor herança que alguém pode receber! Gravidez consciente implica saber que a alimentação materna atua de forma direta na saúde do bebê. Sentimentos e sensações durante a gestação também refletem no bebê. O desenvolvimento integrado está diretamente ligado ao equilíbrio psicoemocional. A ampliação da consciência é uma forte aliada ao crescimento biopsíquico. Compreender os princípios básicos do desenvolvimento humano e conhecer os ciclos da vida é essencial para a nossa evolução. Amplia a consciência e nos torna responsáveis pelos nossos atos e escolhas. “Estamos onde nos colocamos”. Independentemente da genética ter sido favorável ou não, o expandir da consciência é um instrumento valioso para sermos livres e responsáveis. É a parte que nos cabe. ESSA É A SENTENÇA!
SALVE-ME! ( MENSAGEM DO INCONSCIENTE).
Nosso caso começou num encontro casual na biblioteca do centro universitário em que estudávamos. Foi um encontro de quatro pupilas. Cintilaram! inesquecível. Naquele dia eu estava muito preocupada em ler os textos de neurologia. Teria prova logo à noite. Tinha dificuldades com essa matéria e estava precisando de nota alta para conseguir ser aprovada. Sempre fui ansiosa. Nessas circunstâncias, eu simplesmente perdia todo e qualquer charme. Lembro que tinha cortado os meus longos cabelos; bem curtinhos. Ficaria mais prático, além de renovar a minha imagem. Fazia parte também de uma estratégia emocional. Queria me sentir diferente diante do espelho, já que eu não estava conseguindo mudar o meu interior. É hilário! Como se isso fosse me adiantar! Ainda bem que o corte combinou com o meu rosto. Precisava esquecer o meu ex-amor a qualquer custo. Aquela pessoa que me sugava viva. “Relacionamentos vampirescos devem ser deletados dos corações”. Estava fazendo medicina. Quando entrei na biblioteca, naquele dia, nem olhei para os lados. Fui direto pegar os livros e artigos que precisava estudar. Sentei-me numa mesa bem de canto. Estava vazia. Preferia ficar isolada. Entretida, lendo um artigo sobre os sistemas simpático e parassimpático, tentando entender como ambos funcionam no organismo humano, escuto alguém pedindo licença e sentando-se na cadeira bem em frente a minha. O som daquela voz interrompeu o meu raciocínio abruptamente. Não me deu tempo nem de esboçar uma palavra. Aquele par de olhos sorridentes, expressando uma simpatia fascinante bloqueou o meu raciocínio lógico. Não sei bem o que aconteceu em meu coração. Disparou! Parecia querer saltar pela boca. Senti um frio na barriga! Disfarcei. Meio sem jeito, sorri para ele. O ex-amor foi enterrado bem naquele encontro de olhares! Logo de cara ele se interessou pelo assunto do meu estudo. Disse que fazia medicina e adorava os temas que eu estava estudando. Estava em fim de curso. Iria começar residência no próximo ano. Tentou explicar as minhas dúvidas me obrigando a estimular o meu racional que tinha se desconectado com a sua presença. Senti uma sensação de felicidade incrível. Meus hormônios novamente, muito presentes, mostrando o quanto era maravilhoso estar viva. Nossas vidas mudaram daquele dia em diante. Muitos anos juntos. Vivíamos grudados em todos os momentos possíveis. Passeios. Viagens com a festa de uma” lua de mel”. Duas almas enamoradas cuidando dos corações das pessoas. Trabalhando muito. Os dois optamos ser cardiologistas. Um motivo a mais para sermos unidos profissionalmente. O tempo passou. Congressos constantes. Ganhamos prestígio e dinheiro suficiente para manter cursos e especializações. Também uma boa vida. Tudo era tão perfeito que parecia um sonho. Discutíamos casos de pacientes e muitas vezes trabalhávamos juntos. Tesão e amor nunca faltaram durante doze anos de união. Nesse tempo todo não pensamos em ter filhos. Estávamos parindo o nosso desenvolvimento profissional. Tudo muito preenchido. Tão perfeito. Parecia que não faltava nada. Foi no casamento de minha amiga Gabriela, em que fomos padrinhos, que surgiu o desejo de ter um filho. Ela estava grávida de seis meses. Uma barriguinha pronunciada e um brilho no olhar incrível. Esperava um garoto. Exalava uma felicidade que eu não conhecia. O noivo babando de alegria. Fiquei muito feliz por ela e estranhamente mexida. A festa foi até altas horas. Quando fomos embora, resolvemos dar uma andada na praia que era bem pertinho dali. Tiramos os sapatos. A gente queria sentir o contato da areia úmida embaixo dos pés. Enquanto caminhávamos, como duas crianças felizes, surgiu o assunto de termos um bebê. Alimentamos a conversa. O desejo foi crescendo tanto, que mal chegamos em casa, fomos direto fazer amor. Foi tão intenso! Diferente das outras vezes. Já havia uma criança em nossas fantasias. Uma expectativa nova para o futuro. “TER UM FILHO”! Sei que isso mudaria toda a nossa vida para sempre. Com perdas e ganhos. Mas só de imaginar a carinha, qualquer preocupação desaparecia. Daquele momento em diante começou a minha via sacra. Quase dois anos de tentativas e frustrações. Foi então que resolvemos fazer inseminação artificial. Até que enfim deu certo. Resultado: gêmeos! Muita alegria e sonhos. O início da gravidez foi complicado. Enjoo e ansiedade. Barriga aumentando rapidamente. Cansaço próprio do estado. Fantasias animadas intercalavam com um medo absurdo que a gestação não desse certo. Quando soube que estava com um leve descolamento de placenta, senti um verdadeiro pânico de perder os meus bebes. Repouso necessário. Barriga pesada. Dormir foi ficando cada vez mais difícil. Procurei fazer meditação como forma de alívio. Assim fui administrando toda a situação. No oitavo mês de gravidez, numa noite quente de verão, estourou a bolsa. Que susto! Ainda não estava na hora. Corremos para a maternidade. Entre risos e prantos chegaram – Rodrigo e Ana. Meu garoto nasceu forte e saudável, com uma fome de leão. Já a minha princesa, mal chorou. Fragilizada e com riscos sérios. O meu mundo desabou. Não podia ter minha filha em meus braços. Angústia aflitiva. A ansiedade voltou com tudo. Desenvolvi um núcleo compulsivo: medo de Ana morrer. Esse pensamento se transformou num padrão mental atormentador. Sentia-me impotente. Precisava cuidar do Rodrigo. Precisava de Ana! No meio desse caos emocional, tive um pesadelo, em que minha filha me pedia para salvá-la. Fiquei mais transtornada ainda. Nesse tormento, entre impotência e culpa, desesperada, resolvi que ficaria com a minha menina em tempo integral. Deixei Rodrigo bem cuidado, pelo pai e avó. Essa decisão foi transformadora. O pensamento obsessivo abriu espaço para um sentimento de doação total. Ficamos juntas diuturnamente por quinze dias. Lá, eu cantarolava sons de amor. Balbuciava palavras das entranhas. Constante contato físico e emocional. Adormecia conversando com ela. Numa certa manhã, enquanto eu acarinhava a sua pequena mão de porcelana, recebi um suave aperto em minha mão. Entendi isso como a expressão da sintonia entre nós. Chorei de felicidade. Naquele instante eu soube que iríamos brincar muito pela vida! Entendi, também, que a mensagem do pesadelo foi reveladora para o meu coração. A partir dali foi descongelando o padrão mental doentio em que eu estava ancorada, com medo de perder minha filha. Esse pesadelo fez com que eu tentasse encontrar dentro de mim atitudes novas que transformaram aquele padrão mental, de tanta angústia e culpa, que estava congelado em minha mente. Fez-me sair do desespero em que me encontrava. Nossa casa hoje é festa e bagunça. Cansaço e excesso de afetos é o que há mais por lá. Dentre todas as situações que vivenciei como cardiologista, Ana me ensinou o inusitado. O MELHOR DOS REMÉDIOS É O CONTATO DE AMOR!
O SEGUNDO CORAÇÃO! (PULSAÇÃO).
A minha alma andou perdida nesses últimos anos. Acho que andei roubando a mim mesma. Me meti em confusões emocionais, compulsivamente, sem ter a exata percepção do que estava acontecendo comigo. Só o meu coração devia ter essa noção. Traiçoeiramente não me avisou. Ele se envolveu com sentimentos intensos e conflitantes e resolveu fazer uma viagem emocionante pelo mundo das paixões. Escolheu nesse percurso, como instrumento estimulador desse estado delirante a “pessoa errada”. Fantasiei sonhos pintados de um vermelho intenso. Tudo começava num fogo morno. Aquecedor. Gostoso! Intensificando-se lentamente num fogo ardente, de queimar, tomando conta de todas as minhas entranhas. Prazer e dor se misturavam, tão harmoniosamente, confundindo a minha cabeça. Foram vezes repetidas. Eu me nutrindo daqueles alimentos deliciosamente envenenados. Fora do chão, me sentindo plena! Eram tantos os sabores! Quando eu sentia alguma indigestão emocional mais aguda, pensava que tudo logo passaria. Nesses momentos o que prevalecia era o medo de entrar na dor. Assim fui desenvolvendo o vício de me enganar pela vida. Hoje sei que essa atitude funcionava como um placebo. Não conseguia cuidar da minha dor e nem das sequelas. Meu coração se protegia nos escombros dos sentimentos destrutivos. Buscava um novo olhar no mesmo espelho. Como se isso fosse transformar essa forma de funcionar diante da vida. Esse acúmulo de angústias e conflitos, sem que eu me dessa conta, foi desenvolvendo sintomas orgânicos importantes, abalando a minha saúde. Ficou corriqueiro. Sempre que eu vivia um stress mais intenso, concomitante, acontecia um empachamento abdominal. Havia um silêncio contínuo e dolorido em meu ventre. Muita ansiedade e medo. É como se meus intestinos não tivessem mais movimento algum. Uma angústia inquietante teimando em me acompanhar, roubando a sensação do bem estar físico. Eu ficava duplamente infeliz, tanto orgânica como emocionalmente. Um caos! Esse padrão só terminava com a resolução do stress. A calmaria durava pouco. Recomeçava com um novo e intenso stress, sem eu ter controle algum sobre esse quadro. Foi assustador viver essas somatizações por um tempo tão prolongado. Ao mesmo tempo, eu continuava cega emocionalmente, persistindo na “escolha errada”. Como se fosse o ar que eu respirava. Achava que não resistiria viver sem aquela pessoa. Minha identidade ficou comprometida. Nessa gangorra louca a que eu me entreguei, um grito de socorro. Algo dentro de mim sinalizou um basta! Não tive dúvidas: procurei psicoterapia, buscando ajuda. Decisão mais importante que consegui me permitir. A escolha responsável pelo meu auto-conhecimento. Entender o que acontecia comigo naquele quadro de dependência emocional doentia foi a possibilidade que encontrei de me integrar saudavelmente. Resgatar minha autonomia emocional e lucidez de possibilidades de escolhas. Sair da gangorra de sentimentos destrutivos e sensações enlouquecidas que me transformavam num fantoche. Compreendi que fui vítima de mim mesma. Saldo: fiz as pazes com o meu segundo coração. Aprendi como o seu silêncio é revelador! Aprendi também que ele é amigo íntimo do meu outro coração. Responde a todos os seus queixumes e pulsações. Os movimentos peristálticos gostam do sabor dos alimentos saudáveis que colocamos em nosso interior! Brinca e dança gostoso quando está feliz! Alimentos e emoções saudáveis são o seu fraco. Detesta excesso de ansiedade e sentimentos amargos. Assim que o conheci mais intimamente, me apaixonei. Sua lealdade me fascinou. Percebi que dentro de mim há um mundo novo pra conquistar. Quanto à pessoa errada? Sei lá! Deve estar perdida procurando novas vítimas. Já sei me defender. Entendi que a vitalidade dos meus corações depende de mim. Precisam da minha escolha para serem felizes! Na última sessão pude ouvir os seus ritmos. ” ADOREI A MENSAGEM QUE RECEBI”!
AMORES DOENTES! (PREVENÇÃO).
Um casal, Marcos e Marisa, meus pacientes, está atravessando uma grande crise em seu relacionamento. Eram adolescentes quando se conheceram no colégio em que estudavam. Mesma idade. Sonhos profissionais opostos. Ele queria ser engenheiro. Ela psicóloga infantil. Muito diferentes em suas expectativas de vidas. Ela, extremamente emocional. Construía castelos encantados que decorava com os seus mais lindos sonhos. Era uma arquiteta de fantasias. Muitas vezes inverossímeis. Delicada e sensível, dona de uma meiguice tocante. Todos se sentiam bem perto dela. Sabia ser amiga e confidente. Empatia era o seu ponto marcante. Não suportava ver o sofrimento de quem quer que fosse. Especialmente crianças e animais. Possuía também um charme envolvente que servia como um instrumento para alcançar as suas metas. Nesse aspecto era bem fortalecida. No colégio, competia com outras meninas sem medo de perder. Paquera escolhida, paquera ganha. Possui um lado muito competitivo, encoberto por uma delicadeza intensa! A filha preferida de seu pai. Tinha duas irmãs mais novas que sentiam muito ciúmes e inveja dela. Isso na vida a tornou segura no contato com o sexo masculino. Por outro lado, ficou carente pela falta de contato afetuoso entre ela e as irmãs. Sua mãe, mulher simples e desconectada da realidade, nunca percebeu a disfarçada hostilidade entre as filhas, tampouco conseguia ser amiga delas. Era aquela mãe que fazia comidinha caseira e saborosa. Com um cheiro de ervas. Tempero inconfundível! Expressava seu amor dessa forma. Tinha dependência e uma certa obsessão pelo marido. Ela simplesmente o venerava. Ele, ao contrário, era articulado, racional e um tanto rígido. Só conseguia falar de amor quando rabiscava algumas poesias. Criativo e inteligente. Carente. Tinha uma atitude de responder as expectativas do outro. Em casa era um homem rude. Presente nas dificuldades que envolviam ação. Já, nas que envolviam o coração, não se podia contar com ele! Crítico demais. Menosprezava qualquer problema emocional. Achava que era “choradeira”. Profissionalmente se deu bem na área de construção civil. Sempre foi um bom provedor. Um conquistador disfarçado. Não podia ver mulher. Precisava ser admirado e valorizado por elas. Marisa tinha nele um ídolo. Nunca questionou qualquer aspecto que pudesse denegrir a imagem do pai e nem o silêncio esquisito de sua mãe. Assim que cresceu, passou inconscientemente a procurar esse mesmo modelo de homem. No colégio, depois de alguns namoros, conheceu o “famoso” Marcos. Personalidade fascinante, segundo ela. Encontrou nele muitos traços de caráter semelhantes ao de seu pai. Marisa se apaixonou perdidamente. Naquela tarde iluminada de primavera, em que o conheceu, seu coração decidiu que se casaria com ele. Foi se enamorando cada vez mais pelo seu jeitão. Queria alguém que a completasse, assim como ele. Algo muito forte e mágico! Ele por sua vez se encantou com a meiguice e calma de Marisa. Não se desgrudavam. Namoraram por um bom tempo. Quando tinham vinte e dois anos resolveram apostar no casamento. Antes mesmo de se formarem. O início foi difícil. Muito trabalho. Pouco dinheiro! A ambição cega de ganhar muito, prevaleceu a tudo. Ela, em sua clínica de ludoterapia. Ele, em fazer projetos arquitetônicos. Muitas alegrias. Frustrações e reconstruções. Estabilidade financeira chegou após sete anos de muito empenho. A sexualidade, que era como um fogo no início, praticada frequentemente, com muita pele e tesão, foi esfriando sem eles se darem conta. A relação emocional foi ficando em segundo plano. “Corroída pelo exagerado valor ao dinheiro e ao trabalho”. Não sobrava tempo para a relação. Marisa cheia afazeres domésticos, além do profissional intenso, recheado de muitos congressos, dava constantemente uma desculpa qualquer, evitando intimidade na cama. Marcos, embora cansado, de vez em quando, fazia algumas tentativas. Sem o mesmo entusiasmo do começo. Parecia uma obrigação de macho! Até que foi rareando cada vez mais. Marisa não esquentava a cabeça. Achava normal. Atribuía ao cansaço, simplesmente. Só uma fase transitória! Mas, não foi bem assim. Numa noite, depois de sete anos de casamento, Marisa recebeu a ligação de uma mulher dizendo ser a amante de Marcos. Foi o telefonema mais amargo de sua vida. Contou histórias de arrepiar sobre Marcos. Tantas traições e mentiras! Suas pernas bambearam. Começou a suar frio. Jogou-se no sofá da sala estarrecida. Não podia acreditar no que ouviu. Não sabia se explodia ou implodia. Tudo aquilo era patético. Fechou os olhos. Segurou o choro. Sentimentos confusos. Indignação profunda. Assim, arrasada, jogada no sofá, surgiu como num filme, imagens de uma cena vivida em sua meninice. Cena bloqueada em seu peito há tanto tempo. Surgiu forte e clareadora. Viu o desespero de sua mãe, abafando o choro, escondida num canto escuro da cozinha. Marisa tinha ido buscar um copo de água antes de dormir. Sua mãe, assim que a viu, tentou se recompor. Sempre escondeu todos os seus problemas emocionais. Nunca expressou questões de seu casamento. Naquela noite, assim que Marisa entrou na cozinha, enxugou as lágrimas no avental, tentando disfarçar e esboçando um sorriso qualquer. Para Marisa, aquela imagem da mãe, contida, como a de uma criança que foi punida e que não podia expressar a sua dor , ficou congelada em seu coração. Ouviu, naquela mesma noite, seu pai dizendo que iria embora na manhã seguinte. Que daria recursos financeiros à família. Essa memória emergida, reascendeu dores reprimidas em Marisa. Medo de abandono! Entrou em contato com um buraco em seu peito. Aquele acontecimento refletira muito em seu comportamento e escolhas diante da vida. Mesmo depois de adulta, nunca se dera conta da intensidade dos estragos sofridos. Nunca mais conseguiu pensar nas sensações daquela noite. É como se ela tivesse apagado da mente toda aquela cena vivida. Desenvolveu uma defesa para não alterar a sagrada figura paterna. Não queria saber se ele fora promíscuo ou cruel. Para ela, ele era o maior! Só que na noite da revelação de que Marcos tinha uma amante, quando sordidamente ouviu coisas obscenas a respeito de seu marido, frases que nenhuma mulher equilibrada aguentaria ouvir sem enlouquecer, foi como tivesse descongelado um iceberg de dores reprimidas guardadas há tanto tempo. Emoções recalcadas emergiram trazendo à tona medo de rejeição e abandono. Ali, ela pode como nunca entender sua mãe. Identificou-se na dor, não na fragilidade. Isso não, mesmo! Naquele momento, Marisa resolveu lutar pela sua felicidade. Não entregaria os pontos tão facilmente. Iria tentar resgatar o seu amor. Quando Marcos chegou em casa, o clima esquentou muito! Xingamentos, ataques, defesas! Crise! Conversas equilibradas. Pedido de perdão! Casamento muito doente… Início de depressão. O casal veio buscar ajuda. Queria tentar resgatar a chama perdida ao longo do tempo. Já estão reconhecendo que faltou cuidado. Relação é como uma plantinha. Tem que ser cuidada todos os dias. Casar todos os dias! Tirar ervas daninhas. Formigas que podem matar a planta. Carinho. Respeito e amor. Cuidar é prevenção em todos os aspectos da vida. Remediar pode não curar. Como dizia minha mãe:- PREVENIR É O MELHOR REMÉDIO!
CUIDA DE MIM!( APELO/DESESPERO).
Estou perdendo você! Há uns dois meses, acordei com essa frase martelando em minha cabeça. Assustada, dei um pulo da cama. Esfreguei os olhos meio embaçados pelo sono intenso que ainda faltava ser dormido. Confusa. Tentei organizar os pensamentos. Estava um bocado difícil. Falta de conexão entre os pensamentos e sentimentos. Taquicardia insistia em me assustar. Respiração meio asfixiante. Por um momento, pensei que estava morrendo. Coisa horrível! Num repente, surgiu na mente, como uma luz, o valioso ensinamento de minha mãezinha, mulher sensível e natural. Muitas vezes sua sinceridade machucava, porém, quando o assunto era cuidar, ela era uma mestra. Eu aprendi a ser assim, também. Em minhas crises de ansiedade, amorosamente, olhava em em meus olhos e segurando minhas mãos calorosamente, falava:- “Filha, respira fundo. Lentamente. Inspira pelo nariz e solta o ar pela boca. Tudo vai passar”. Isso me me acalmava absurdamente. Era um remédio, tão rápido. Não sei se respiração ou o seu doce olhar que me curava. Transmitia segurança e calma. Sentia-me acolhida e protegida. Naquela noite, ao acordar sobressaltada, Imediatamente, comecei a fazer os exercícios de Inspirar e expirar, lentamente… Fui me acalmando. Grande alívio, sair daquela estado de morte! Começaram a emergir em minha mente imagens e sensações do pesadelo devastador que eu tinha tido durante o sono e não estava lembrando. Concomitantemente, vieram as dores do relacionamento doentio que estava vivendo com Eduardo. Parecia um raio X do que estava acontecendo em meu coração. Todo o contexto do pesadelo refletia a realidade emocional corrosiva a que eu estava me submetendo. Tantas humilhações e desrespeito à minha pessoa! O pior é que eu estava conivente com tudo aquilo. O meu amor próprio, zerado! Eu tentando convencer Eduardo a não se separar de mim. Olha só que absurdo! A que ponto cheguei por aquele homem. Achava que ele era o grande amor de minha vida. Nunca me questionei se eu era o grande amor da vida dele. Aliás, hoje eu percebo que ele nunca sentiu amor por nenhuma mulher. Não tinha em seu currículo emocional nada que expressasse isso. Apenas, sonhei ser o seu primeiro amor. Que engano louco! Acho que o fato dele ter sido violentamente rejeitado pela sua mãe marcou profundamente o seu relacionamento com outras mulheres. Rejeição de mãe é um caso sério! Li que isso pode justificar atitudes de desprezo e raiva em relação as outras mulheres. Dificuldade em se entregar ao amor. Fica menos ameaçador os envolvimentos mais rasos. A intimidade emocional com uma mulher pode ficar comprometida. Medos inconscientes acumulados de sofrer, misturado a sentimentos de mágoa e rancor. “Dificuldade de entrega” ! Pesquisei na internet sobre esse assunto. Lá dizia que esse padrão de comportamento funciona como mecanismo de defesa para se proteger da dor. Resultado da rejeição sofrida. Compreender isso me deu um grande alívio. Consegui ampliar a consciência e diminuir a minha dor. Integrar o que eu sentia com o que vivia naquela relação doente foi salutar. Enxerguei mais claro todo o meu casamento. Pude me perdoar por tantos danos que eu me permiti vivendo com aquele homem. Quantos ataques injustos eu suportei, entrelaçados ao um comportamento de desespero de minha parte, tentando melhorar o clima entre a gente. Como eu estava insana! Queria cuidar dele como quem cuida de uma criança. Lembro que isso aumentava a sua fúria. Não conseguia receber carinho afetuoso. Para ele só o sexo é que funcionava como contato. Instantes depois ele retornava ao seu padrão ácido e crítico. Um verdadeiro iceberg. Eu sem entender toda essa desestrutura emocional, fiquei nos últimos seis meses de nosso relacionamento, tentando salvar esse casamento falido, por absoluta falta de condição psicológica de Eduardo. Sua estrutura de caráter não conseguia lidar com o meu amor. Muitos sentimentos mal resolvidos. Mágoas profundas não tratadas. Hoje, sinto que me perdoando, consigo perdoá-lo também. Ele foi vítima de uma mãe desprovida de sentimentos maternos. Não teve escolha. Eu tenho! Estava cega! Hoje, já tenho condições psicológicas para mudar meus rumos. Edu não! Ele só tem uma saída. Se submeter a um tratamento psicológico eficiente. Talvez assim, consiga entrar em contato com sensações e sentimentos genuínos que o transforme em um ser humano mais saudável. Daí, quem sabe, ele consiga sentir amor por uma mulher. Conhecer esse tipo de felicidade! Estou reconstruindo a minha autoimagem e minha sanidade emocional. Aquele meu pesadelo foi terapêutico. Depois da assustadora taquicardia que me acometeu, pude me reposicionar diante da vida. Acho que foi Deus quem me fez passar por aquele momento transformador! Foi a forma “DELE” me ajudar. Eu estava presa numa jaula sem chaves. Sem ter essa consciência, fragilizada, me debatia naquela jaula e me resignava. Hoje sei que o amor deve ter luz! Alimentar a alma. Nutrir e agregar. Minha sábia amiga Lenita já tinha me alertado que eu estava numa relação simbiótica e doentia. Cheguei até a brigar feio com ela. Mas, amiga, de verdade, não liga pra isso. No dia seguinte a nossa briga, ela fez o meu bolo de chocolate preferido. Foi pessoalmente entregar lá em casa. Chorei de alegria. Um bolo de chocolate pode fazer milagres! Depois disso ela foi viajar para o exterior. Um sonho que alimentava há anos. Semana passada, me ligou. Quando falei dos meus novos rumos de vida deu um grito de alegria, despertando em mim incríveis sensações de vida. Já estou com as passagens compradas. Irei ficar uns tempos com ela no Canadá. Se as coisas derem certo, talvez eu fique por lá. Não estou fugindo, não! Sou uma nova mulher. Coração cheio de sonhos. Andei castigando demais a minha “menina interna”. Estou respondendo ao seu pedido tão antigo:- CUIDA DE MIM!
MENINO OU MENINA? ( ESCOLHA EMOCIONAL).
Patrícia ficou grávida! Não cabia em si de tanta felicidade. Quase já havia perdido as esperanças. Tentou por um bom tempo e, agora, aos quarenta e quatro anos, finalmente recebeu a notícia que mais esperou na vida. Sua relação com João, seu marido, não estava bem; aliás, desde o casamento há cinco anos. Ele revelou-se uma pessoa grosseira, sem sensibilidade suficiente para dividir a vida com uma mulher delicada e sensível como Patrícia. Ela queria muito mais. Alimentava alguma esperança na recuperação de seu casamento. Talvez o nascimento de um filho pudesse despertar em seu marido um jeito mais carinhoso de levar a relação. “Sentiam muita atração física, um pelo outro”. Na cama pegavam fogo! Mas, para uma relação estável e saudável, isso não é suficiente. Patrícia queria respeito, cumplicidade e companheirismo, talvez, com a vinda do bebê, o casamento melhorasse. Patrícia, mulher sonhadora, dificuldades de lidar com a realidade, grávida, “engavetou” os problemas da relação com o marido. Começou a focar só em sua gestação e em todas as sensações que uma mulher sente nesse período. Não não ousaria auto -sabotar esse momento tão único. É como se voasse nas nuvens! Sonhava acordada. Ficava horas imaginando como seria o seu lar com um bebê, fazendo bagunças, emanando energia por todos os cantos da casa. Patrícia, não revelava a ninguém sua preferência por menina, embora, se menino, seria recebido com todo amor. João, ao contrário, em altos brados, dizia que só aceitaria um filho “macho”. Até por isso ela não quis saber o sexo do bebê antes de nascer. Organizou um enxoval “arco- ires”. Muito colorido. Nada, só azul ou cor de rosa. O início da gravidez foi complicado. Muito enjoo, náuseas e anemia. Sorte que ela tinha uma médica obstetra dedicada, a quem chamava de “Anjo da Guarda”. Cuidava dela com eficiência e muito carinho. A doutora Ana, além de ser ótima profissional, tinha uma capacidade de empatia muito grande. Isso auxiliou muito o processo de gestação de Patrícia. Carente como era, teve muitos altos e baixos emocionais. Precisou de acolhimento e muitas orientações de sua médica. Essas variações emocionais, no caso de Patrícia, não teve só a ver com mudanças hormonais, próprias desse período, mas, também, pela atitude egocêntrica e egoísta de João. Não estava nem aí com ela. Seus defeitos de caráter se intensificaram durante a gravidez de Patrícia. No final da gravidez, João saia quase todas as noites com seus amigos de bar. Até altas horas na farra. Muitas vezes voltava embriagado, exigindo sexo com ela. Contrariando ordens médicas, por conta de um pequeno sangramento que havia acontecido, ela se negava. Patrícia jamais iria correr esse risco! Nunca cedeu. Daí, mais um motivo para discussões e clima pesado. Patrícia ficava, aflita e ansiosa. Chorava muito! Numa dessas noitadas de João, já no final da gravidez, “rompeu a bolsa”. Patrícia correu às pressas para a maternidade. Glória, sua grande amiga a acompanhou. Maria Angélica nasceu! Parto normal. Robusta e encantadora. A cara do pai. “A vida é caprichosa!”. Só os olhos “sorridentes e rasgadinhos” pareciam com os da mãe. O coração de Patrícia queria que ia explodir de tanta felicidade. Nem sentiu a ausência do safado, João! Naquele momento mágico, reconheceu sentimentos novos dentro de si. Percebeu o imenso amor que seu bebê despertou. Quanto isso era transformador. Bem ali, na maternidade, decidiu desfazer o casamento. Não iria mais se deixar torturar com humilhações e falta de respeito. Maria Angélica iria ter um lar feliz. Ela veio para construir amor! Isto aconteceu há uns dois anos. Feliz, Patrícia retomou o seu ofício de artesã. Dedicada e criativa voltou a dar aulas e nutrir sonhos. Ensina e elabora artes. Adora as gargalhadas de Maria Angélica. Brinca muito com sua princesa. Seu dom profissional se enquadra muito com sua delicadeza, sensibilidade e forma de sentir a vida. Dia destes soube que ela Patrícia voltou a namorar. SIM! O SEU CORAÇÃO ESCOLHEU UMA MENINA!
O TIGRE FERIDO! (RESSENTIMENTO).
Aroldo foi uma criança super traquina. Adorava jogar futebol no campinho da esquina da rua onde morava. Atacante do time. Aliás, ótimo. Fanático por futebol! Se dependesse dele ficava jogando o dia inteiro. Detestava ir à escola. Um castigo! Filho de mãe enérgica e sensível, que, por ter muitos outros filhos, não conseguia exercer autoridade e nem o seu carinho no tamanho que desejava. Simplesmente, não havia tempo para isso. Pensava apenas na sobrevivência. Aroldo, inteligente e criativo não teve seus dons naturais explorados o tanto quanto precisava, durante infância e adolescência. Com dezoito anos, sem orientação, nem estímulos, se envolveu com más companhias. Nem passava pela cabeça construir algum projeto para o futuro. Na escola fez o mínimo necessário para ser aprovado. Imaturo, dava sempre um jeitinho de satisfazer seus caprichos imediatos. Ganhava um dinheirinho aqui, outro ali, com “bicos”. Assim o tempo passou. Já adulto, agia como adolescente. Mal formado, sobrevivia precariamente. Não cresceu. Assim como criança, só tinha o princípio do prazer imediato. Não esquentava a cabeça com nada que pudesse exigir bom senso, até porque ele não tinha. Não se desenvolveu em nenhuma área profissional para ocupar espaço saudável no mercado de trabalho. Ajudava na feira, eventualmente, no mercado, na padaria, por ai…Em compensação, desenvolveu enorme charme e poder de sedução. Atraia mulheres de todos os níveis e tipos. A malandragem da rua transformou-o num rapaz muito esperto, encarando com valentia qualquer situação de briga. ” Bom de briga”. Essa qualidade todos reconheciam nele. Motivo de seu orgulho. Reforçou sua identidade social. Conheceu na boemia, aos vinte e sete anos, Laura, o seu grande amor. Classe média alta. Ela, assim como Aroldo, adorava cair na gandaia. Morena bonita, gordinha, sensual. Profundos olhos negros e cabelos de, “noite sem luar”! Tinha um gingado só dela! Enfeitiçou o coração de Aroldo. Ele passou a depender dela em tudo. Até de seu dinheiro. Principalmente! Ela representava o ar que ele respirava. Laura tinha um perfil de caráter parecido com o de Aroldo, porém, teve a “sorte” de nascer numa família mais estruturada. Seus pais se preocuparam com sua formação e futuro. Laura formou-se em assistência social, curso que se encaixou bem com o seu perfil. Rápida ascensão! Carreira promissora. Tornou-se diretora de uma ONG que cuidava de crianças carentes. Isso ela levava a serio! Laura também se encantou pelo charme de Aroldo, assim que foram apresentados por uma amiga em comum. Ela, com autonomia financeira, nem ligou pela situação precária de Aroldo e nem pela sua discutível identidade. Apaixonou-se perdidamente pelo seu jeito carente e malandro. Nem pensou muito se iria dar certo ou não. Resolveram se casar. Contrariando a vontade de sua família. Combinaram entre eles, que ela bancaria por uns tempos as despesas do casal, até ele se encaixar profissionalmente, em qualquer coisa! Casamento realizado. Muita festa. Muitas expectativas. As noitadas cheia de danças e tesão, depois do casamento, foram muito curtidas por um bom tempo, mas, gradativamente, diminuindo, assim como a paixão avassaladora que Laura sentia. Alguma coisa dentro de seu coração já não fazia mais sua pele arrepiar quando seu Aroldo a abraçava. Passados quatro anos de tentativas e erros, Aroldo, nunca se acertando profissionalmente, Laura deu um basta ao relacionamento! Cansou de tantas desculpas e queixas que Aroldo arranjava para não se assumir como um homem adulto. “Cansou de alimentar vagabundo, dizia ela”! Problemas acumulados. Contas a pagar! Laura já não queria mais continuar a sustentar o ego inflado de seu marido, sempre colocando na má sorte, sua falta de realização na vida. Não reconhecia e nem admitia que estava acomodado. Ao contrário de Laura, continuava apaixonadíssimo e dependente de Laura. Perdeu o chão. Enlouquecido com sua frieza, não aceitava que ela não o desejasse mais. Entrou em desespero. Sentia que tinha perdido tudo. Como seria a sua vida, agora? Confusão emocional intensa, mágoas, angústias e muitos conflitos. Durante esse processo, adoeceu, sem conseguir se reerguer. Laura, continuava, impiedosa. Irredutível. Numa tentativa final, buscando recuperar a “mulher de sua vida”, Aroldo contratou uma serenata com músicas preferidas de Laura. Seria no dia do aniversário de casamento, completariam quatro. Laura tinha esquecido completamente da data. A serenata tocou para uma janela vazia! Naquela noite, Laura tinha saído com João Ricardo. Seu novo amor. PÉTALAS VERMELHAS. LÁGRIMAS DE SANGUE!
CONFINAMENTO HUMANO! (CONTATO E EXPANSÃO DA CONSCIÊNCIA)
A sociedade humana está recebendo um presente assustador, provavelmente, advindo das atitudes do próprio ser humano. Estar em contato com a realidade é imprescindível para se trabalhar na prevenção, contra esse presente devastador! Hora de muita reflexão. Rever valores. Momento de exercer muita generosidade e compaixão. As famílias, por necessidade obrigatória, estão numa possibilidade única de se aprofundar em seus contatos afetivos e resgatar momentos roubados pela vida estressante a que a maioria das pessoas se submete hoje em dia. “O causador desse movimento de confinamento é um inimigo invisível!”. Essa reclusão pode causar um estranhamento no psiquismo. Mudanças de hábito alteram muito o nosso padrão mental. Assustam. Muitas vezes imobilizam o comportamento saudável e criativo tão importante para fugir do stress. Insegurança social e medo de morrer são razões suficientes para o afloramento de neuroses graves. Muitas famílias são formadas por indivíduos que se conhecem apenas superficialmente. Não existe intimidade entre eles, por absoluta falta de tempo. Muitos deles chegam em casa do trabalho no fim da noite. Não priorizaram a família nessa parte imprescindível para a vida emocional. A qualidade da relação fica ancorada na superficialidade. Na verdade são estranhos entre si. Quando reclusos num mesmo ambiente, continuamente, por vinte e quatro horas, caem as máscaras. As neuroses podem se revelar intensamente. A intimidade forçada exponencia a irritabilidade e, daí, a impaciência. A preocupação com o que está acontecendo no mundo, neste momento, traz um elemento real, que alimenta o ciclo neurótico. O psicológico se desestrutura e pode acionar um quadro de ansiedade difuso. Lidar com toda essa gama de sentimentos tumultuados é muito difícil. E as pessoas que perderam um ente querido? É terrível. Doloroso demais. Luto se faz necessário! Ele processa e metaboliza dores. “CHORAR SALVA A ALMA”! Morrer pode significar renascer, porém, a extrema despedida é muito dolorosa! Aprender a lidar com as situações da vida e buscar nelas crescimento é um exercício de superação. A inteligencia emocional é um instrumento muito eficaz na estreita proximidade entre as pessoas que estão confinadas num mesmo ambiente. Pode ser surpreendente. Existe uma enorme chance de ampliar e enriquecer as percepções e qualidade dessas relações. Vai depender de uma certa organização mental e da “ação e reação – reação e ação”. Retirar a lupa que aumenta o negativo e buscar nutrir e ampliar o detalhe positivo. Isso sempre será possível! Conectar sentimentos que a correria da vida tenta substituir pelo dinheiro, trabalho e valores fúteis. Buscar o mel que nunca pôde ser provado. Contar e ouvir histórias do coração! Perceber como uma simples palavra pode ser transformadora. Como uma brincadeira pode ser um negócio muito sério e se transformar numa fortuna incalculável quando brincamos com os nossos pequenos e grandes amores. Existe uma criança interna no peito de cada um. Muitas vezes ela está enjaulada. Resgatá-la se torna vital. Ignorá-la é auto-sabotagem! A saúde mental e física depende dessa integração. Esse momento especialmente exige isso. “INOCENTES NÃO DEVEM SER PUNIDOS!”.