Ernesto não ouviu o coração. Nunca respeitou sua voz interna. Pobre Ernesto! Acho que por isso sempre expressou uma agressividade exagerada em suas atitudes. Era um cara de quem não dava pra ficar perto por muito tempo. Emanava energia pesada. Sarcástico diante das situações da vida. Sempre uma crítica negativa na ponta da língua. Sentia fome exagerada em soltar palavrões. Ofensas. Diminuir o próximo. Sem perceber sempre sustentou miséria interna. A sua baixa auto estima. “Soltava a raiva de si próprio nas outras pessoas”. Noutro dia Ernesto teve um sonho inusitado. No sonho estava sentado na mesa de um bar, com um copo de cerveja na mão. Levando o copo à boca, num repente, recebeu um toque muito forte em suas costas que quase o derrubou. Bem na hora que ia engolir a geladinha. O inesperado “toque empurrão” de Leonardo, seu amigo, deu um engasgo em Ernesto, provocando muita tosse. Tossindo e engasgado, foi ficando vermelho. Muito vermelho. Não se sabia se a vermelhidão era a reação do engasgo ou a raiva costumeira que expressa quando algo lhe incomoda. Leonardo, meio confuso, rindo, começou a dar tapinhas nas costas do amigo tentando ajudá-lo. Depois de um tempo a crise passou! A raiva não! Soltando faísca no olhar, sem a menor vontade de ser gentil, Ernesto segurou o amigo pelo colarinho. “Seu animal, isso não se faz! Cretino. Imbecil!”. Leonardo começou a ter crise de riso. Ria desenfreadamente. Não conseguia parar. Era como uma catarse. Levou na brincadeira o ocorrido. Ernesto foi se irritando profundamente com o riso. Não aguentou. Deu um soco na cara do amigo. Isso foi demais! Homens que estavam na mesa vizinha foram defender Leonardo. Segurar o violento. Desequilibrado. Confusão total no ambiente. Nesse meio tempo barulho de sirene. Polícia chegando. O dono do bar muito preocupado em terminar com a confusão. Era sexta feira à tarde. Momento de grande movimento no bar. A turma da happy hour estava pra chegar. Vozes alteradas. Xingamentos. Do outro lado da rua um mendigo alto, moreno e com roupas andrajosas estava sentado na calçada. Tinha observado toda a cena. Levantou-se e foi até Ernesto. Baixinho sussurrou em seu ouvido:- “Meu irmão você precisa se tratar” e se afastou. Nem deu tempo de Ernesto reagir. Dois policiais entraram com armas nas mãos pedindo calma e impondo ordem. Ernesto acordou! Cabeça pesada. Peito oprimido. Muita sede! Esse sonho mexeu com seu sistema simpático. Estava se sentindo contraído. Boca seca. O mendigo foi o ponto alto. Marcante. Transformador em sua vida. Ernesto está fazendo psicoterapia. Revelações profundas estão emergindo. Fragmentos de auto retrato emocional revelado em seu sonho está dando chances enormes de ampliação de consciência. Integrar. Ouvir melhor seu coração. Quem seria esse mendigo? Quem seria Leonardo? E todo o contexto do sonho? Que relação com seu interno? Expectativa. RESPOSTAS E MUDANÇAS ESPERADAS!
DETALHE CHOCANTE! (CORAÇÃO E EGO).
Insônia. Cabeça quente. Pensamentos insistentes. Repetitivos. Falta oxigênio em meus pulmões. Ouço as batidas do meu coração. Tão forte. Tão forte! Dá a sensação que vai explodir. Suores frios. Tremedeira. Tento me acalmar. Pratico uma experiência que aprendi pra diminuir a ansiedade. “Inspiro. Prendo a respiração por instantes. Pronto!”. Pulmões sem ar. Silêncio dentro de mim. “Silêncio amigo”. Mantenho o silêncio. Alívio. Finalmente expiro… Retomo a respiração. Ritmo lento. Profundo. Percebo mudanças boas no ritmo cardíaco. Sensação de paz. Repito esse exercício algumas vezes. É como se eu conseguisse tomar as rédeas do “Elefante enlouquecido”! Esse animal interno que sempre foi tão domável está me assustando. De uns tempos para cá anda transgredindo regras do bom viver. Desequilibra muito fácil. Tudo começou quando há dois meses rompi um contrato emocional com aquele homem. Estávamos juntos há quatro anos. Como eu era apaixonada por ele! Homem disfarçado de bom menino. Depois se revelou promíscuo! Não queria escutá-lo mais. Estava me sentindo humilhada com a sua proposta indecente. “Relação aberta”! Recusei. Recusei mesmo! Sabia que iria sofrer com essa recusa. Iria perde-lo. Eu o amava tanto! Também, aceitar? Nunca! É imoral. Contra os meus princípios. Fiquei chocada. Deus me livre! Tudo para ele parecia tão normal. Ele falava:- Qual o problema? Com cara de safado dizia que eu iria adorar. O pior é que ele foi se revelando aos poucos. No início de nosso relacionamento era um amante fogoso e romântico. Quando essa bomba explodiu, fiquei perplexa. Ouvir dele que “gostava mesmo de experimentar novas pessoas na intimidade. Paralisei. Começou a insistir muito! Pensei até que fosse brincadeira. Mas, não! Tudo muito louco. Proposta aversiva. Não fazia sentido. Para mim amor conjugal é exclusividade. Cumplicidade a dois. Minha realidade sexual sempre foi estruturada no amor entre duas pessoas. “Sonhos e fantasias” doentias? Não! Chamei-o de louco. Perdido. Depravado! Varias vezes. Ele ria de mim. Dizia que eu era muito careta. Que se experimentasse adoraria! Imaturo emocional. Criança de quarenta anos. Ridículo! Para ele o mundo é um grande parque infantil e sexo não tem nada a ver com amor! Devasso, isso é o que ele é!! Cama com várias pessoas representava variedade apetitosa. Soube disfarçar direitinho. Por um bom tempo. “Era um artista!”. Sua aparência, com ar de homem sério, nunca expressou ser promíscuo. Meio rígido. Certinho. Verdade que quando abria a boca tinha uma lábia incrível. Isso é bem verdade! Tão bom de conversa que me peguei quase aceitando promiscuidade como normal. Acordei a tempo. Sentimentos agregados aos meus valores não admitiram. Nem quis consultar meu coração que insistia no medo de ficar só. Assunto encerrado. Caminhar sozinha, sem ele, daquele momento em diante. Era o melhor remédio. Dessa forma rompemos. Rompemos feio. Meu ego voluntarioso resolvia o imenso conflito instalado em mim. Cada vez que o coração chorava, tratava de estancar o choro me criticando muito. Corria para o meu lado racional. Criticava a minha fraqueza. Esse foi o caminho que encontrei para buscar a paz e a vingança pela traição sofrida. Mas isso durou pouco.. Com o passar dos dias percebi o ledo engano. A tristeza e a decepção estavam lá, fincadas no coração. Intensas! Prontas pra me atormentar. Essa briga entre o coração e o mental foi se repetindo. Parecia que não ia terminar nunca. No entanto, sabia que teria que viver o luto. Afinal, estava enterrando um grande amor! Conseguia me controlar o quanto dava. Raiva e mágoa são sentimentos devastadores. Péssimas companheiras! De novo, quando a dor surgia me refugiava no ego tentando enganar a tristeza. Essa gangorra emocional estava acabando comigo. Me enganei por um bom tempo. Sensação de humilhação e perda emocional pesam muito! Para negar o meu conflito muitas vezes fui buscar uma ocupação mental ou atividade física. Mudar o foco. Só que o coração continuava bloqueado. Algumas vezes até consegui me sentir mais leve. Durava pouco. Aquele inferno da angústia logo retornava, fragilizando a alma. “Coração indomável”! Quantas brigas e discussões entre ele e o meu ego. Acabava no final totalmente sem energia! Hoje ainda não sei se o que doeu mais foi a ruptura ou o convite absurdo de abrir o nosso relacionamento. Tudo muito chocante! Como pode um homem que se diz apaixonado desejar dividir sexualmente sua mulher com outras pessoas? Onde fica o encantamento? Os sonhos das almas gêmeas? É bizarra essa ideia! Realmente não combina comigo mesmo! Agora esses suores frios. Tremedeiras. Pensamentos repetitivos invadindo as minhas noites? Que invasão é essa? Não quero mais noites mal dormidas. Preciso abrir a relação sim! Só que com o meu coração. Talvez um bom psicólogo possa cuidar do ” ELEFANTE ENLOUQUECIDO”!
ANDAR DE CIMA! (ORGULHO/HUMILDADE).
José é um ser atrevido. Muitos o consideram arrogante e cheio si. “Parece que tem o rei na barriga”. Sujeitinho menor! Às vezes dá até vontade de colocá-lo onde merece. Essa é a fama de José. Noutro dia ele estava na banca de jornal, todo garganta, vociferando vaidades e virtudes que o qualificam como um ser superior. Parecia brincadeira. EU sou isso. Sou mais aquilo. E por aí… Um complexo de superioridade incrível. Diante dos doentes iguais a ele, José faz o maior sucesso. Eles se entendem muito bem. De vez em quando surge uma competição. Daí sai o maior quebra pau. “Competição entre medíocres é fogo”! Nesses momentos se exasperam. Falam. Gritam. “Conflitos de egos fracos”. É hilário! Pessoas razoavelmente equilibradas se afastam de José. ” Vejam a que ponto uma pessoa pode mentalmente se reduzir”! Esse comportamento é uma compensação de baixa auto estima e necessidade de auto afirmação. Não depende do nível intelectual ou social do indivíduo. Independe do sexo. Existe em todas as camadas sociais! Sempre arranja um público alvo que o admira. Enganosamente ele sente que atingiu o objetivo de ser o melhor. Desta forma vai se reforçando essa defesa de caráter. Tanto homens quanto mulheres podem desenvolver esse quadro comportamental. Há vários níveis desse traço de caráter. Dependendo do nível, pode surgir um comprometimento maior ou menor. Depende da qualidade de experiências emocionais que o indivíduo vivenciou e a forma de educação que recebeu. Nos círculos sociais esse comportamento fica mais evidenciado. A soberba é muito comum . Pessoa que nunca admite seus erros. Que está acima de tudo. Pedir desculpas? Nem pensar. Pedir ajuda? Nunca. Gasta toda a energia do mundo para provar que está sempre certo, mesmo não estando. Para ela, admitir que errou é declarar impotência. Precisa desesperadamente de elogios e atenção. Assim consegue sentir-se importante. Admirado. Todo esse comportamento é uma defesa para não entrar nas dores, humilhações e bloqueios das expressões emocionais que sofreu. Sentir-se menor é reviver a cena temida. Congelada dentro de si. Egoísmo é outro traço comum nesse tipo de caráter. “O orgulhoso é vítima de sua história de vida”. Sua postura corporal expressa um ar de superioridade e uma falsa altivez. É como se olhasse as pessoas lá de cima, com um certo desprezo. Esses traços neuróticos podem demolir seus sonhos de uma vida equilibrada e feliz. Numa dose saudável, o orgulho pode fazer bem. Representa auto realização. Construção. Essa energia poderá nutrir novas realizações. Reforçando e dando continuidade a essas realizações. Construir uma vida satisfatória e saudável ao ego! No entanto é difícil conseguir essa auto consciência. O arrogante José está longe de mudar! Enquanto tiver um público que o aplauda, se sentirá o máximo. Em seus momentos íntimos ele deve sentir conflitos e angústias que não consegue processar. Na verdade é um prisioneiro de si mesmo! Não entende porque muitas pessoas o rejeitam. Justifica-se normalmente pensado que elas têm inveja dele. “Só pode ser isso!” Isso o alivia e o mantém no palco que construiu. Não se deu conta que esse comportamento o afasta dos valores reais que busca. “Neurótico atrai neurótico”! Só encontra amores e amizades inconsistentes. Precisaria buscar um tratamento psicológico. Sentir e reconhecer em suas atitudes e forma de ser um comportamento desiquilibrado . Precisa atravessar o abismo entre seu eu real e o seu ego idealizado. Realizar a grande viagem interna tentando integrar forças e fraquezas. Num movimento de auto reparação e reconstrução. Admirar-se o suficiente. Assumir qualidades e estragos construídos pela vida. Reconhecer e recomeçar. Início da caminhada. “Humildade, trabalho e amor”. INTEGRAÇÃO DO SER HUMANO SAUDÁVEL!
GABRIELA QUER SER FELIZ! ( ÉDIPO-COMPORTAMENTO INCONSCIENTE).
O equilíbrio emocional tem relação direta com a capacidade de amar. Essa história se inicia quando o bebê está começando a se desenvolver. Lá, no útero materno. Junto com as entranhas! Nas pulsações motivadoras que os bons afetos produzem. Naquele momento o bom alimento do amor, já pode estar sendo recebido, das mais variadas formas. A mãe tem o poder de transmitir a seu filho sensações e vibrações de vida ou de morte. Dependendo da qualidade dessas emissões a criança pode sentir aceitação ou rejeição que já vão se registrando em seu interno. Tudo isso é muito delicado e intenso. “A MÃE É PODEROSA”! O ambiente familiar também tem um peso grande na saúde mental da criança. Família estruturada emocionalmente tem maiores condições de desenvolver seres saudáveis. A idade entre três e seis anos representa um período fundamental na vida da criança. Nesta fase ela atravessa o período edipiano. “Psicossexual”. A menina se “rivaliza com a mãe e o menino com o pai”. É o comportamento conhecido como COMPLEXO DE ÉDIPO, para o menino e de ELÉTRA para a menina. De uma forma popular chamamos de ÉDIPO para ambos. A criança aproxima-se do genitor do sexo oposto. A menina busca ser a princesa de seu pai. A preferida! Competindo com a mãe. O menino disputará com o pai a preferência da mãe. Necessidades de se auto afirmar. Sentir-se importante. A menina quer sentir-se desejada. Admirada. Especial. “A preferida entre todas”! A influência do comportamento dos pais nesta etapa do desenvolvimento da criança pode ser decisiva para a construção de uma auto imagem saudável que vai se refletir pelo resto da vida. Nessa época, geralmente, a criança começa a ter mais autonomia, frequenta o banheiro na escola ou com os pais e começa a perceber as diferenças entre os sexos. Percebe a diferença entre os seus genitores e isso desperta a “atração” para o genitor do sexo oposto. Essa descoberta faz com que ela invista afetivamente mais nesse genitor. Muitas vezes se colocando entre o casal. É delicado esse momento. Deve ser sutilmente administrado. Os limites se tornam necessários. Mostrar a realidade. Isso vai desenvolver segurança. Como funcionam os papéis de cada um dos pais. De uma forma amorosa e clara. Falar que o príncipe ou a princesa são filhos amados e admirados. “Apenas filhos”. Os melhores! Que mamãe é casada com papai. Os dois se encontraram adultos, para formar esse casal. Lá na frente, quando crescerem, vão também viver essa experiência. Essa realidade frustra e gera sentimentos conflitantes. “Amor e temor pelo seu genitor”. Ambivalência! No caso da menina: amor pelo pai e raiva da mãe. No menino: amor pela mãe e raiva do pai. Impossibilitada de rivalizar com o genitor do mesmo sexo e com medo de perder o seu amor ou ser punida, busca inconscientemente uma saída saudável. Começa a ter os pais dentro de si. Pode ser o início do princípio da realidade. “Não se pode ter tudo”! Também lidar com frustração, sem grandes traumas. De um jeito saudável. Isso poderá resultar num adulto com maior facilidade de administrar suas emoções. Este comportamento edípico da criança, também pode acontecer com outras figuras que substituam os genitores. Quem cuide dela. Muitas vezes esse édipo não é bem vivenciado deixando sequelas emocionais, podendo ser em diferentes níveis. Ainda bem que, em alguns casos, existe a chance de se reparar algumas dessas sequelas, no período da adolescência. Nesse caso, precisa haver, por parte dos genitores, habilidade, consciência e amor suficientes para resgatar conteúdos emocionais bloqueados. Gabriela, foi um desses casos. Em sua primeira infância não foi muito feliz! Veio de uma gestação saudável; no entanto, após os três anos de idade sofreu rejeição e abandono por parte de seu pai. Nesse período sua mãe voltou a trabalhar como professora universitária e seu pai muito enciumado com esse novo cenário conjugal, só tinha olhos para a mãe. Viviam em crises de ciúmes intercaladas por crises de paixão. Ignorava a existência de Gabriela. A criança até que tentava chamar a atenção dele nos raros momentos de paz em casa. Não conseguia. Ele era insensível a isso. A mãe tinha uma melhor relação com a menina, mas não conseguiu dar acolhimento e bom contato naquele período de estruturação psico- emocional de Gabi. Até porque a presença do pai também era imprescindível. O tempo transcorreu. Gabriela foi crescendo insegura. Com onze anos de idade se mostrou muito tímida. Medo de se expor. Desajeitada com as pessoas, principalmente com os meninos. Ela, que sempre foi fisicamente bonita, desenvolveu uma péssima auto imagem. Seus pais amadureceram emocionalmente e passaram a viver mais equilibradamente. Nesta fase da vida, puderam notar as dificuldades emocionais e sociais que a filha tinha desenvolvido em seu caráter. Buscaram auxílio terapêutico. Gabriela está resgatando a menina alegre dentro de si. Conseguir ser acolhida amorosamente pelo pai internalizado é a meta. Reconstruir um bom modelo de pai, internamente. Espelhar-se na mãe. Atravessar a adolescência. “A PRINCESA PRECISA RECONSTRUIR O SEU REI!
AMANTE? (ENCRUZILHADA EMOCIONAL).
Vou ou não vou! O “sim” é forte demais. O “não” me aniquila. Logo eu que sempre fui mais cerebral que emocional; não estou conseguindo agir com a razão. Pareço um fantoche. Só tenho uma certeza: quero ao menos te ver de novo! Talvez sentar para conversar sobre coisas que não conseguimos discutir. Conversa séria! Matar essa saudade insana. Que corrói! A saudade está me enlouquecendo. Martelam em minha mente bobagens que nos faziam rir sem censura. Como a busca de energia nos troncos das árvores. Nossa! Como era bom! A gente fazia exercício de sensibilidade tentando traduzir sensações. Surgiam as mais variadas. E quando a gente ia andar de olhos fechados na areia da praia? Os braços eram a nossa antena. Esticados para a frente. Vez ou outra eu ou você tropeçávamos na areia. Quando isso acontecia, uma punição: virar estátua, por alguns minutos. Eu me sentia tão viva! A criança que habita em mim nunca foi tão feliz. Era também hilário ver um homem barbado como você brincando de pega-pega na praia. Como um moleque. Livre. Sorriso aberto. Gargalhadas de perder o folego. A gente não dava a mínima para o que os outros pensavam. E aquela vez da água de coco? Tomar toda água, sem respirar. Num fôlego só? Fingi que engasguei. Você ficou apavorado, tentando me tirar do sufoco. No final eu ri tanto. Você ficou bravo. Nem desconfiou que era brincadeira minha. Foram tantos os momentos. Tão simples. Tão intensos! Tudo parou naquela viagem fatídica. Nem posso relembrar. Dá uma dor. Foi lá que os castelos se desmoronaram. Foi lá que enterrei minha paixão. Bem que eu não queria ir. Você insistiu. Disse estar livre naquele fim de semana. Começou a botar água em minha boca. Descrevia o hotel a beira mar como um paraíso. Um lugar lindo. Disse ter ido há muito tempo com amigos. Falava das lagoas naturais que se formavam nas areias. Da lancha alugada que conduzia às praias encantadas, desertas. Dizia que as areias cantavam por lá. Os coqueirais com suas sombras frondosas. Nem precisava de guarda sol. E os cardumes? Você dizia que eram coloridos. Foi muito convincente. Desmarquei um workshop importante, daquele fim de semana. Só para estar com você. Não queria parecer fácil e aceitar logo de cara o seu convite. Nós estávamos juntos há apenas quatro meses. Na verdade estava louca para viajar com você. Mas estava postergando o momento. Desde aquele encontro no supermercado, onde te conheci. Fiquei fascinada. Lembro que estava escolhendo uvas sem sementes. Minhas preferidas. Você na mesma banca, comprando frutas tropicais. Pensei: – Deve morar sozinho. Não tinha aliança! O seu olhar maroto, meio cínico. Me conquistou. Perguntou sobre as minhas uvas. De lá para cá a gente começou a se encontrar semanalmente. Quintas e sábados. Domingos? Nunca. Dizia que era o dia de almoçar com sua mãe. “Mentiroso”! Hoje eu sei. Você não esperava por aquela surpresa em nossa viagem. Sua mulher descobriu tudo e reservou um fim de semana, lá também. Confesso que ela teve muito sangue frio. Corajosa. Esperou até o nosso “jantar romântico”. Queria nos surpreender dentro do restaurante do hotel. Que baixaria! Morri de vergonha e de raiva. Meu mundo se desmoronou. Não imaginava que era casado. Filhos pequenos. Como pode me enganar assim? Patife! Não consegui entender como arranjava tanto tempo livre pra ficar comigo. Nunca iria imaginar. Que histórias inventava à sua mulher? Depois disso entendi bem os domingos com sua mãe. Fraco! Nunca gostei de homens fracos. Muito menos hipócrita. Fui me apaixonar por um! O mel virou fel! Queimou a alma. Feridas sangrando. Humilhada. Não te quis mais! Não por falta de tesão. Nem por falta de sua insistência. Depois daquele barraco armado por sua mulher, arrumei as malas, aluguei um carro e vim embora. Acabada! Ambivalente. Pena de sua mulher. Pena de mim! Só que não consegui esquece-lo. Processar tantos sentimentos. Simplesmente não consegui. Acordei nesta manhã com imagens mentais fortes. Sonhei com você! Meu coração estava aos pulos. Você se debatia dentro dele. Cantava e dançava como um louco. Segurou minhas mãos e me rodopiou sem parar. Até o cansaço extremo. Eu, como uma presa sua. Desprovida de energia. Entregue! Então, seus lábios carnudos e sensuais se aproximaram dos meus. Num tom cafajeste. Atrevido. Sussurrou: -Esposa eu tenho. Amante não! Acordei. Esse sonho intensificou desejos guardados. Peguei o celular. Mensagem sua! Duas semanas sem você! Pernas bambas. Abri a mensagem. Não acreditei. Coração disparou. Mãos trêmulas. AMBIVALÊNCIA TOTAL!
CALA A BOCA CARINA! (NECESSIDADE DE FALAR DEMAIS).
A festa de aniversário de Graciela, minha melhor amiga, foi programada há dois meses. Convidamos todas as amigas da nossa turma de psicologia e alguns alunos de outros cursos, amigos nossos também. A gente queria que tudo saísse perfeito. Fechamos um espaço bem moderninho, super bom astral, perto da faculdade. Facilitaria a ida da turma. Seria numa sexta feira, logo após o termino das aulas. “Assim ninguém faltaria”! Combinamos chegar em torno das onze e meia da noite. A excitação era grande. Contratamos até um conjunto musical. A ideia era animar o pessoal. Pouca conversa. Muita dança e tequila na cabeça! Claro que a geladinha não ia faltar também. Sucos e batidas de variadas frutas. Ninguém nem pensava em comer! Lógico que eu, como amiga da Graciela, corri atrás de um delicioso bolo de chocolate, brigadeiros e mini salgados. Tudo perfeitamente organizado. Chegou a grande noite. Vesti o meu clássico pretinho brilhante. Rasteirinha nos pés pra dançar confortável, sem dor. Cheguei ao espaço antes do pessoal. Queria conferir se estava tudo em ordem. Perto da meia noite começou a chegar um ou outro e de repente a casa foi ficando lotada. Alguns convidados levaram amigos novos e desconhecidos. Luzes lilases e negras na pista de dança. Risos e alegria. Vozes e gritinhos próprios do momento. Em meio a essa confusão toda chega um amigo acompanhado de uma moça toda risonha e falante. Logo de início achei interessante o jeito dela. Pensei que poderia ser uma companhia animada. Fomos apresentadas. Nesse intervalo de tempo, meu amigo sumiu no meio da pista de dança. Fiquei só com Carina tentando dar atenção. Ela não conhecia ninguém dali. Ficaria deslocada se a deixasse ali. Minha impressão de início, de que ela era extrovertida e legal, aos poucos foi se desmanchando. Carina não parava de falar. Engatava uma conversa na outra. Dava a impressão que ela nem respirava. Além do mais era meio grudenta. Sabe aquela sensação de estar sendo sugada? Meio vampiresca! Fui tendo um mal estar crescente. Muito ruim. Ela não dava espaço pra eu abrir a boca. Muito menos falar com ninguém. Uma das convidadas tentou chegar perto de mim, meio brincando, tentando me puxar pra dança; Carina, imediatamente segurou o meu braço para eu não escapar. Foi hilário! Ao mesmo tempo que estava irritada, estava também com certa pena dela que tentava me agradar em tudo. Expressava um certo desespero que eu a deixasse sozinha no meio da festa. Fiquei numa situação emocional ambivalente. Tenho esse problema. Sempre me coloco no lugar do outro. Naquele primeiro encontro, ela queria me contar tudo sobre sua vida. Senti, ali, que me despersonalizei. Fiquei nas mãos dela! Até me convenceu a sentar numa mesa próxima a entrada, onde tinha menos barulho. Poderia ouvi-la melhor! Ela, falando, falando. Dava a impressão que não pararia mais. “Parece que ela tinha congelado a minha expressão. Era meio diabólico o que estava acontecendo. Logo comigo, que estava fazendo o curso de psicologia! Deixar-me envolver desta forma, sem reagir! Essa situação durou eterna hora e meia. Me estranhei. Não soube me defender da voracidade neurótica daquela menina. Ela conseguiu me escravizar em sua compulsão. Fiquei indignada comigo mesma pela minha impotência e falta de atitude assertiva de lidar com aquela situação. Se eu estava desconfortável, nada mais natural do que ter jogo de cintura para me livrar do que não estava gostando. Tudo terminou só na hora de cortar o bolo. Radicalmente fugi de Carina. Até o fim da festa. Nem quis saber se ela ainda estava na lá. Medo que a dose se repetisse. Fui embora carregando aquela imagem ruim de toda essa experiência. Ficou como um peso! Sorte que na segunda feira eu tinha supervisão clínica de casos que estava começando a atender. Fiz questão de comentar essa experiência que tive com Carina. Minha experiente supervisora conduziu de forma que eu entendesse o porque provável daquele comportamento. Deixou claro que era um traço forte do caráter dela. Carência muito grande. Necessidade de se auto afirmar e de ocupar espaço. Provavelmente é a forma que desenvolveu pra ser vista e valorizada. Insegura e baixa auto estima. Falar compulsivamente é um traço de muita ansiedade. Busca para compensar experiências emocionais mal resolvidas em sua história de vida. A supervisora deixou claro que essa era uma análise superficial, já que a paciente não estava presente para avaliação global de seu jeito de ser. Com certezas haveriam outros traços a serem investigados. Sai da supervisão com uma nova sensação em relação a Carina. Fiquei meditando como os caminhos emocionais são determinantes para o nosso equilíbrio mental e físico. Como as pessoas ficam ancoradas em meio às suas próprias neuroses, sem achar o caminho da libertação de seu verdadeiro eu. Encobertas. Infelizes. Vão se aprofundando inconscientemente nesse desiquilíbrio, cada vez mais. NÃO SABEM COMO PEDIR SOCORRO!
AUTO-RETRATO EMOCIONAL! (SINTOMAS DEPRESSIVOS).
Nasci de parto normal cercada de expectativas e de carinho. Pais apaixonados e ciumentos. Gostavam de fazer filhos! Fizeram seis. Família grande. Dificuldades financeiras. Muita dignidade e contato afetivo entre os irmãos, principalmente. Se não fosse o excesso de ciúmes de meus pais, talvez tivesse sido perfeito. “A pobreza maior é a da alma”! Lá em casa não existia isso. De algum jeito cresci com uma ótima auto imagem. Talvez tenha sido a atenção exagerada que meu pai dava a mim. Ele fazia com que me sentisse uma princesa. “Eu me achava tão linda”! Isso me deu segurança e abriu caminhos. Desde pequena fui amorosa e meiga. Muito sensível. Sofria com as dores do mundo. Essa minha condição emocional refletiu, muitas vezes erroneamente, uma imagem fragilizada de minha pessoa. “Sensível e forte”! Teimosa. Sempre soube buscar meus desejos. Peito aberto. Guerreira! Fiz faculdade de “Assistência Social”. Queria me envolver e ajudar pessoas carentes e necessitadas. Tive sorte; logo que me formei fui contratada por uma ONG que cuidava de crianças e as preparava para a vida. Muita realização! Casei com o homem que escolhi. “Tinha um olhar tão profundo!” Forte e bonito. Crescer e vencer, estas eram suas metas. Cheio de si! Ele me enchia de orgulho. Eu sentia que a minha vida era como um conto de fadas. Vivia com a cabeça nas nuvens. Filhos chegaram. Lindos, lindos! Um menino e duas meninas. Muito trabalho e amor transbordante. Realidade brava! Conciliar tudo, junto a um marido que foi se revelando cada vez mais brilhante, porém muito individualista. Começaram a emergir seus aspectos psicológicos não expressos anteriormente, que foram desgastando nosso relacionamento. Meu marido não sabia o que era cumplicidade na vida a dois. Chegava a ser sufocante! Numa coisa ele era bom. Sexo. Amante fogoso. Sexo era o seu fraco. No dia-dia eu precisava respirar fundo para administrar sua arrogância. Engolir a seco e manter aparente felicidade. Sempre dava uma nova chance a nós! Manter a família unida era sagrado para mim. Não queria a separação. Achava que seria a ruína de nosso lar. Até porque as crianças precisavam muito dos pais unidos. Que seria dos nossos fins de semana regados a vinho? Risos descontraídos por qualquer bobagem que se dizia. Verdade que “vinho na cabeça” bloqueava o homem crítico e egoísta que se escondia em meu marido. “Naqueles momentos eu o amava como antes”! E os Natais, como seriam? Tão esperado pelas crianças! Troca de presentes? Amigos secretos. Avós, tios, primos. Todos reunidos! Não. Eu tinha que lutar pela família unida. “Preferia suportar meu marido sem vinho!” O tempo foi passando… Filhos tomando rumos na vida. Viraram adultos. Tão de repente, meu Deus! Nem com o tempo meu marido melhorou em seu egoísmo. Pelo contrário. “Acho que o tempo vai evidenciando as qualidades boas e ruins das pessoas”! No caso dele, muito mais as ruins. Sem os filhos nossa convivência foi ficando insuportável. Comecei a me entregar mais e mais ao trabalho na busca de momentos leves e saudáveis. Queria ficar longe de críticas e cobranças. Daquele ambiente emocional pesado. Meu alívio acontecia quando os filhos nos visitavam em fins de semana. Revivia um pouco os momentos felizes. Nosso corpo vai nos dando sinais! Numa segunda feira, depois de um desses fins de semana, acordei me sentindo muito esquisita. Apesar do sol brilhar lá fora eu sentia um dia cinza. Nada estava fazendo sentido. Não queria sair da cama. Uma certa dor de cabeça. Corpo pesado e dolorido. Pensamentos ruins. Estava sozinha em casa. Meu marido tinha ido trabalhar como de costume, muito cedo. Em meus cinquenta e seis anos nunca tinha me sentido assim. “Sem vontade de viver”! Tentei usar o racional para entender o que estava acontecendo comigo. Rapidamente me sentei na cama, em posição de lótus e pratiquei meditação. Respirei com a alma e o corpo. Quinze minutos. Milagrosos. Insights aconteceram. Decisões importantes. Libertação. Não me condenaria mais a essa vida! “TERAPIA DE CASAL OU DIVÓRCIO!”
ABRAÇO LOUCO! (SENSAÇÕES VISCERAIS).
Acho que estou obsessiva. Não é possível. De novo não! Essa saudade doentia está me deixando insana. Preciso me tratar! Tomar remédios. Sei lá! Estou doente. Não consigo parar de pensar naquele olhar brilhante. Sorriso transparente. Calças jeans azul claro e camiseta branca. Aquela estampa tão forte. Tão sexy! Corte de cabelo “grego”, único nele. Nossa! Ímpetos de agarrar aquele homem! Quase incontroláveis! Tento desviar os pensamentos, mas, volto a pensar nele. Penso na nossa cafeteria! Ele, com o seu usual café bem curto. Eu, no meu velho estilo “americano”, bem fraco! Sempre acompanhados por docinhos crocantes. Aquela rotina semanal, deliciosa. Todas as tardes de sextas feiras. Exatamente às dezessete horas. Fixo! Até meio neurótico. Nunca houve atrasos. O dono da cafeteria já sabia. Sempre havia um lugar especial reservado. Lotava demais. A moçada fazia ponto de encontro. Isso martela na minha cabeça direto! Foi lá que conheci Artur. Psicólogo, despojado e extrovertido que atiçou os meus sentidos! Tinha clínica bem perto dali. Dois quarteirões. Aproveitava os intervalos entre uma sessão e outra pra ir tomar o famoso café da casa. Normalmente estava sozinho, lendo algum livro ou texto. Na primeira vez em que o vi não sabia nada dele ainda. A sua figura me fascinou. Durante algumas semanas fiquei indo na cafeteria, até criar coragem de me aproximar. Numa dessas tardes, atrevida e curiosa, armei uma cena de improviso. Passando pela sua mesa, fiz que tropecei. Deixei cair quase que em cima dele a carteira que segurava. Ele, meio assustado com o imprevisto, abaixou-se e me entregou a carteira. Foi a primeira vez que me olhou! Pedi mil desculpas. “Sua expressão me intrigava e excitava”. Parecia um homem misterioso e cheio de sabedoria. No tropeção simulado, por azar ou não, machuquei o dedinho do pé direito. Artur convidou-me a sentar em sua mesa até melhorar a dor que a torção causou. Doía mesmo! Sem graça pelo constrangimento inesperado, novamente me desculpei. Desta vez, de verdade! Muito gentil, comentou que aquelas mesas eram muito próximas umas das outras, mesmo. Difícil não tropeçar. “Que voz , meu Deus!” Começou um papo bem legal e informal. Meio brincando estendeu a mão “Artur a seu dispor”. Retribuindo o sorriso: “Milena, a desastrada!”. Caímos na risada. Nesse momento Artur me ofereceu um café. Ficamos uns trinta minutos sentados naquele cantinho conversando sobre a força do inconsciente. Tema do livro que ele estava lendo.”Os melhores trinta minutos de minha vida”! Fiquei ouvindo-o como se ele fosse um Deus. Falou que era psicoterapeuta. Que trabalhava na área clínica. “Evitava falar muito de sua profissão”. Discreto e sutil. Fiquei ainda mais atraída por aquele homem. Percebi em nossa conversa como a mente humana o intrigava. De repente, Artur olhou no relógio e disse estar em sua hora. Tinha que trabalhar! Devo ter expressado frustração. Ele se levantou e entregou seu telefone, caso precisasse. Deu-me um sorriso e um beijinho na face. Saiu rapidamente. Fiquei tão feliz. Eu estava carente demais! Pouco depois voltei pra casa. Não dormi naquela noite. Artur me enfeitiçou. Não me lembro ter vivido isso antes. Nem via a hora de amanhecer para ver se aquela excitação melhorava. Só pensava que precisava rever aquele homem. Nunca em meus trinta e oito anos de idade tinha tido sensação semelhante. Deliciosamente adolescente! Ter conversado com ele tinha significado muito pra mim. “Ampliou minha consciência e olhar para o mundo”. Pulei da cama bem cedo e fui direto tomar uma ducha quentinha. Espiei pela janela e vislumbrei um lindo nascer de sol que me estimulou a idealizar um sonho maluco. “Queria aquele homem!”Nem me perguntei se ele teria sentido o mesmo. Estava numa situação emocional muito egocêntrica. Só queria saber de mim. Pensei muito. Resolvi segurar a ansiedade e dar uma de difícil. “Sei que os homens preferem mulheres difíceis”! Decidi esperar até a próxima sexta, naquele mesmo café. Desta vez já poderia conversar direto com ele! Sem nenhum truque. A semana passou tão lentamente que quase enfartei. Na sexta feira, aproveitando a tarde amena, coloquei o meu vestido amarelo florido. Sexy! Chamava a atenção dos olhares masculinos. Cheguei no horário de sempre. Perscrutei o ambiente. Lá estava o meu rei, na mesinha especial de sempre. Fui direto à sua mesa. Como se já tivesse direitos adquiridos sobre ele. “Assim me perdi em Artur”! Fui me apaixonando e fantasiando o mundo. Ele falava de coisas e ideias que me extasiavam. Além da química, desenvolvi uma profunda admiração por ele. Era o homem maduro dos meus sonhos! Nunca falou de sentimentos. Não gostava de falar de sua vida particular. Eu não me importava com isso. Te-lo próximo já me fazia sentir realizada. Suas conversas eram intrigantes. Os meus pensamentos pecaminosos! Esta mistura de sensações foram alimentadas por mim o tempo todo. O motivo principal de eu me interessar pelo psiquismo e as atitudes humanas. Nossos encontros duraram maravilhosos cinco meses. Eu não aguentava maios disfarçar enormes sentimentos que Artur despertava em mim. Estava doida de paixão. Resolvi arriscar tudo. Era uma sexta feira cinza. Coração pulando no peito. Desenfreado. Mãos geladas. Olho no olho! Sabotei o medo de rejeição. Falei dos meu desejos. Da atração intensa que sentia por ele. Das fantasias e sonhos. “Parecia uma sessão de terapia”! Eu falava. Ele ouvia. Silenciosamente. Sem julgar. Acolhedor! Chorei. Chorei muito. Num repente ele levantou-se, pegou minha mão, delicadamente, e fomos caminhar na orla da praia, pertinho dali. O vento estava prometendo chuva próxima. Faíscas no céu. O mar com ondas violentas. Intensas! Paramos por um momento. Artur me abraçou. Abraçou tão forte que até prendeu a minha respiração. Sensação ambivalente. Morte e vida! Águas perigosas começaram a cair do céu. Gelada! “Naquele dia, estranhamente ele estava vestido com a mesma roupa de quando o conheci”. O seu jeans azul foi ficando grudado em meu vestido amarelo. Era tanta água! Encharcados. Mal podíamos caminhar. A tempestade pegou a gente em cheio. Não sobrou nada. ACABAMOS ALI!
O SONHO DA MENINA TRISTE! ( PROJEÇÃO).
Sheila andava passando por maus bocados. Noites mal dormidas, sonhos recorrentes, suores noturnos. Palpitações! Sérios indícios de desequilíbrio energético. Seus dias estavam sufocados por sensações ruins. Estava muito difícil enfrentar o trabalho de pedagoga no prestigiado instituto de educação “Rui de Andrade”. Tudo começou há seis meses, quando se envolveu numa situação inusitada: Sheila sentada num dos bancos do jardim da escola em que trabalhava, distraída, corrigindo algumas redações, com a mão esquerda, “canhota”, de repente, uma borboleta azul turquesa pousa em seu braço direito. Pousa suavemente. Sheila, sempre teve imenso fascínio por borboletas. Supersticiosa. Sempre que surgia borboletas azuis, “Iria acontecer algo de bom”! O toque da borboleta causou surpresa e encantamento. Imediatamente, parou com a correção das provas. Tentou ficar com o braço imobilizado e respirando suavemente para evitar que ela voasse. Queria admirar de perto toda aquela beleza, azul turquesa. Sensações misturadas afloraram. Ficou por alguns minutos nesse estase. Esse instante mágico foi inesperadamente quebrado pela aproximação do diretor da escola, Sr. Antônio. Homem de traços fortes. Negro. Simpático e sensual. Eloquente. Ele tinha observado de longe toda a cena. Tentou se aproximar fazendo o mínimo ruído possível. “A borboleta voou! O charmoso diretor Antônio, sorrindo, lamentou a súbita fuga da borboleta”. Convidou Sheila para um café. Ali começou uma súbita paixão dela por ele. Exageradamente carente como era, Sheila confundiu atenção por sedução. Transferiu para Antônio todas as suas fantasias de menina-mulher. Pensava nele de modo obsessivo. Não dava trégua ao seu coração nem ao diretor. Criava situações incríveis para se aproximar dele. Antônio, amadurecido, com uns bons anos a mais que Sheila, achava graça do assédio dela. Com o passar do tempo, Sheila desenvolveu comportamento inadequado, doentio, no ambiente profissional. Todos andavam comentando, sigilosamente sobre as investidas frustradas que Sheila, andava fazendo. Antônio, equilibrado e muito profissional, chamou Sheila para um papo adulto. Incisivo, deixou claro nessa conversa, que apesar de achá-la bonita, não tinha interesse nela como mulher. Era bem casado e amava a sua família. Disse que a admirava como profissional, mas que suas últimas atitudes estavam causando bochichos maldosos entre colegas e que isso não era legal. Sheila ficou arrasada. Envergonhada. Pediu desculpas e demissão. Foi trabalhar bem longe de seu Deus Negro! Queria esquecer aquela loucura. O saldo emocional daquele período, ficou confuso em seu coração. Não entendia porque sentia tanta atração por Antônio. Alias, nem o conhecia direito! No meio dessa ambivalência, começaram as noites mal dormidas e o “maldito sonho recorrente” que passou a atormentá-la. Quase todas as noites. Queria entender emocionalmente o seu significado e livrar- se daquela cena dolorosa. Aconselhada por uma amiga, buscou ajuda numa psicoterapia que abordava sonhos e seus significados; SONHO RECORRENTE: “Menina de uns sete anos de idade, cabelo castanhos curtos e franjinha curta. Surge sempre, resfriada, nariz escorrendo levemente, até perto da boca. Expressão muito triste. No olhar, velado pedido de socorro. Usando sempre o mesmo vestido claro, com babadinho no pescoço e peito. Tecido leve, esvoaçante. Iniciado o processo da psicoterapia, finalmente, viajou dentro dos símbolos daquele sonho. Histórias com conteúdos reveladoras, emergiram. Reviu a sua mãe, Alice, solteira, assumindo sozinha a maternidade. Reconheceu que ela deu o seu melhor. Sheila não conseguiu suprir a ausência do pai, ficando um buraco emocional em seu peito. A mãe de Sheila, apenas descrevia que ele era um homem forte, negro e muito sensível. Por circunstancias da vida não pode estar presente em suas vidas. Nas sessões de terapia, Sheila reconheceu dentro de si, imagens, posturas e atitudes que ela idealizou do pai ausente. Os sentimentos retidos nessa construção emocional, começaram a emergir paulatinamente durante o trabalho de interpretação do sonho. A criança triste ressurgiu com força total pedindo socorro. Muitas lágrimas. Muitas sensações desconhecidas até então. Finalmente conseguiu falar com o pai. Conversou seriamente com ele. Falou de suas angústias e da tristeza de não tê-lo e “quanto o esperou!” A imagem refletida da idealização, foi muito semelhante a imagem de Antônio, o diretor da escola. A semelhança foi tanta que num ato falho, chamou o pai de Antônio! Conseguiu sentir a confusão e a projeção que viveu naquela louca paixão. “É como se tentasse resgatar o homem de sua vida”! Compreendeu sua carência e a necessidade de resolução do bloqueio interno reformulando emoções mal resolvidas. Sheila deu uma acordada para a realidade, pesquisa muito sobre caminhos para o grande desejo de encontrar o pai. Anda pensando em fazer, também, busca pela internet pelo “Sr. Francisco Amorim”. Quem sabe! Desde então, noites mal dormidas e sonhos recorrentes? FIM.
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JANELA DOS FUNDOS! (CUMPLICIDADE).
Tomando uma ducha vespertina, depois de uma manhã muito atribulada espiei pela fresta da janela para ver se a garoa havia cessado. Durante a manhã inteira tinha persistido uma chuva bem fininha e fria. Precisava dar uma passada no mercado, depois do banho. Dispensa vazia e fome não combinam! Estava com muita vontade de preparar uma sopa de legumes variados. Sem esquecer do salsão, lógico! Dá um gostinho incrível. Com a água quente, deliciosa, escorrendo sobre o corpo, numa sensação de muito aconchego, essa ideia da sopa quente deu água na boca! Decidi que iria deixar a preguiça de lado e corajosamente enfrentaria o frio lá fora. Aproveitaria pra comprar um bom vinho também. “Me daria esse presente”! Com os sentidos envolvidos nesses pensamentos prazerosos, comecei a cantarolar a canção de sempre, no chuveiro. Tinha virado um hábito. “You are my love”! Estava me sentindo leve e feliz, apesar do cansaço da manhã. Fechei os olhos e soltei a voz como há tempos não fazia. Fiquei um bom tempo cantando e me aquecendo naquela delícia de água. De repente me lembrei que Elisa, minha irmã, talvez viesse, naquela noite me entregar um livro que ela tinha me prometido. Abri os olhos e novamente olhei pela janela para conferir o tempo lá fora. Assim que espiei, percebi que, bem em frente a janela dos fundos de meu banheiro, havia um casal de velhinhos sentados de mãos dadas na sacada do outro apartamento. Estavam visivelmente felizes. Namorando do jeito deles. Curtiam a chuva fina e fria que ainda caia, protegidos em seu amor. Um beijinho aqui, outro ali. Dona Carmem e seu marido Douglas. Casados há longa data. Duas cabeças brancas bem juntinhas, lendo um mesmo livro sobre uma mesa meio alta. Inclinavam-se algumas vezes para enxergar melhor uma ou outra frase. De repente riam e trocavam algumas palavras e novamente se compenetravam na leitura. Sempre de mãos dadas, numa visível cumplicidade que só o tempo pode construir. Ainda sabiam como viver a felicidade no casamento, apesar de seus oitenta e poucos anos de idade. Não sei explicar o porquê, mas aquela cena tocou meu coração no profundo. Relembrei Miguel, meu ex-marido. Poxa! Quando nos casamos esse era o meu sonho. Ficar junto dele até bem velhinha. A gente brincava que se um dos dois ficasse “gagá”, nem assim poderia haver separação. Um iria ter que cuidar com carinho do outro. Era um pacto de amor entre dois jovens sonhadores. Tanta paixão, meu Deus! Lembrei que ele dizia que gostava de todos os meus cheiros. Todos! Não suportava que eu usasse perfumes. Camuflava o meu aroma natural. A gente tinha tantas semelhanças de gostos. Magia e atração nos lençóis. Divergências também. Muitas! Não tive jogo de cintura pra segurar os conflitos. Imaturidade emocional é fogo! Me enganei. Fui insana quando conheci Fábio; rotulei de Deus alguém tão pequeno! Culpa da química explosiva! Os hormônios são traiçoeiros. Confundi com amor uma paixão barata. Enlouqueci. Meu mundo ficou de cabeça para baixo. Fui louca desvairada. Estraguei minha vida. Hoje percebo como fantasias podem nos trair. Troquei uma vida de verdade, com construção de uma longa história, pelas nuvens que voam e se perdem no horizonte. Devia estar muito carente. Só pode ter sido isso. Perdi Miguel por minha absoluta falta de maturidade. Imaginava uma vida irreal. Só em contos de fadas. Devo ter regredido aos meus quinze anos. Falta de chão total. Encarando a relação, constatei que o Fábio que eu imaginava, simplesmente não existia. Era uma farsa. Um carente e mal resolvido que mais parecia uma criança. Não sabia nem o que queria da vida. Bem feito pra mim. Essa realidade surgiu muito rápido. Magoei o meu amor. Até o fim Miguel sempre confirmou seu amor por mim. Se arrependimento matasse! Aquela cena da janela despertou uma chama esquecida. Senti “inveja do casal de velhinhos!” Saí do chuveiro, me enrolei na toalha pré aquecida, com uma séria decisão. Será? Arrisquei. Fiquei rindo atoa. “MIGUEL ESTAVA COM MUITAS SAUDADES DA NOSSA SOPA”!