Emílio precisou ser um empresário bem sucedido. Homem inteligente, bonito e sensível não teve escolha. Teve que seguir a sina neurótica que se impôs. Quando menino rabiscava poesias e gostava muito de cinema e tudo que se relacionasse com a grande arte. Muito cedo foi para um colégio interno. Durante sete anos foi privado de sua fonte de afeto genuína. Seus pais queriam que se preparasse para ser um homem poderoso e rico. Durante o exílio, lá no colégio, não havia alternativas senão sufocar suas dores emocionais. Viveu um verdadeiro inferno! Tinha que sobreviver. Suprimiu sua sensibilidade saudável. Numa entrega maluca, foi construindo fantasias impossíveis. Pervertidas! Muitas vezes os personagens interpretavam cenas proibitivas que concomitantemente despertavam muita culpa nele. Paralelamente seu rendimento escolar era digno de louvor. O melhor aluno do colégio. Conhecido como o “nota dez”! Muitos alunos só se referiam a ele por esse apelido. Seu intelecto, assim como seu ego, ficou inflado por tantos destaques e elogios que recebia. Externamente estava tudo ótimo. O tempo foi passando, ele crescendo bonito e bem conceituado no meio estudantil e familiar. Seus pais, orgulhosos da inteligência do filho, preocupavam-se com o seu futuro profissional, até porque tinham expectativas de serem beneficiados. Esperavam que Emílio fosse grato e retribuísse no futuro o que eles tinham feito por ele. “Muitos pais pensam assim”! Pouco o visitavam. Dessa forma não estimularia nele a vontade de voltar pra casa. Na verdade Emílio só visitava a família durante as férias de fim de ano. Ficava longas horas com seu gato Nino e só a ele confiava seus verdadeiros sentimentos. A sensibilidade de sua mãe podia ser comparada a uma casca de crocodilo. “Talvez ela não tenha tido chances de se auto-desenvolver”! Em nenhum momento durante todo esse longo processo Anita, sua mãe, tivera o cuidado de saber se o filho estava feliz. Nunca quis entender o seu olhar triste e distante. Nem o seu silencio. Nem mesmo tocava na palavra amor! Suas conversa eram endereçadas ao racional. Exclusivamente. Mas o menino Emílio também fez das suas. Buscou forças internas e se rebelou. Decidiu com com quinze anos não iria continuar preso. Transgrediu regras inadmissíveis no colégio. Foi expulso! Os pais ficaram atônitos com a súbita rebeldia, mas foram obrigados a aceitar a situação. Feliz e culpado! Essa ambivalência, somada ao vazio emocional que sofreu pela longa separação da família, fez de Emílio um homem mais cerebral. Prático. Seus sentidos ficaram bloqueados. Confusos. Grande dificuldade de expressão. Voltado mais para o externo. Desta forma chegou aos quarenta anos. Um menino no corpo de um homem. Rezou toda a cartilha da mãe. Só que ela não esperava pelos espinhos que semeou! Ainda bem que esse menino está conseguindo se recuperar. Adoeceu por muito tempo por carência de amor. Não morreu! Desenvolveu raivas inconscientes vindas em doses homeopáticas ou em súbitos surtos. Atitudes e expressões emocionais imprevisíveis. Desajeitado em lidar com afetos e relações. Expressa essa ambivalência nas mais diversas formas. Muito formal com os seus pais. Educado e frio. Como se fossem estranhos. Consegue falar de emoção. Sentir é a sua grande dificuldade! Neste momento de vida, fazendo terapia, busca se entender melhor. Sabe que dinheiro e sucesso não são sinônimos de felicidade. Quer entender a poesia de sua vida. JÁ TEM A CORAGEM DE SER FELIZ!
O PUXA SACO! ( AUTO-IMAGEM DOENTE).
Pessoas razoavelmente equilibradas tem respostas saudáveis diante de situações da vida. Suas reações emocionais são proporcionais aos fatos que se apresentem. Seu equilíbrio pode ser percebido a olho nu. Os desequilíbrios na formação do caráter são formados, na maioria das vezes, através de uma educação muito rígida, onde a expressão emocional sofre sérios bloqueios. Esses bloqueios podem se manifestar de várias formas. A pessoa constrói inconscientemente uma máscara de proteção para não entrar na dor e passa a atuar na vida através dela. Deixa de ser autêntica e como compensação desenvolve atitudes emocionais que não condizem com o seu verdadeiro eu. “A SOCIEDADE É MASCARADA”! São inúmeras as reações emocionais que podem ser desenvolvidas a partir dos bloqueios construídos e vão refletir direto nas atitudes e modo de ser de uma pessoa. Pode ir do mais sútil sintoma ao mais evidente comportamento doentio. Depende de como aquele psiquismo lidou com seus traumas e stresses e o tamanho do buraco que causou. “Podem surgir vários tipos de desequilíbrios bio-psíquicos”! A intimidade proporciona um afrouxamento das máscaras. “Nem por isso é mais fácil de se lidar com elas; muitas vezes necessita de ajuda profissional”! Os sentimentos enjaulados no peito tendem a ser expressos por sinais neuróticos e repetitivos ou sintomas orgânicos. Podem emergir com maior intensidade ou em doses homeopáticas. No ambiente social normalmente as máscaras de defesas são mais reforçadas e mais difíceis de serem rompidas. O social tende a realimentar essas defesas. Há uma compensação inconsciente entre os “mascarados” em suas expressões emocionais reativas. Um precisa do outro para se sentir importante e sobreviver, sem alterar seu caráter. A neurose é um buraco negro! Entre outros, o “puxa saco” é um bom modelo do que estamos descrevendo. Ele é fruto do desequilíbrio emocional. Esse quadro se revela em seu comportamento inadequado e pegajoso. “Extremamente carente”! Existem vários níveis de puxa sacos espalhados pelo mundo. Do sutil ao exagerado! Sob sua atitude está uma carência enorme e necessidade de auto-afirmação. Tem uma péssima auto-imagem. Precisa bajular alguém que julgue importante e poderoso. Essa proximidade e aceitação de quem ele elege, o fortalece e faz com que se sinta importante também. Projeta-se no seu ídolo e se sente parte dele. Dependendo do nível de fragilidade, essa atitude de bajulação alcança enormes proporções. Pode se tornar ridícula! O encaixe fica perfeito quando o “poderoso” eleito tem uma péssima auto-estima, tanto quanto ele. “Ambos preenchem doentiamente suas lacunas emocionais. Na realidade um precisa do outro para auto-afirmar suas identidades fragilizadas. O bloqueio da expressão emocional saudável é o responsável por tantas sequelas no comportamento humano, alterando o direito legítimo de ser pleno e feliz. Quanto maior a ampliação da consciência, maior a possibilidade de reformas internas. O auto-resgate é possível. QUE TAL EXPERIMENTAR?
ABORTO! (ENCONTRO NO PROFUNDO).
Vera acordou péssima naquele domingo de páscoa. Também, depois da bebedeira da noite anterior! Fazia um bom tempo que ela não saía de casa. Andava mal por tantas dores sofridas. Resolveu aceitar o convite de Nina, amiga muito querida que não suportava ver o quanto Vera estava sofrendo nos últimos tempos. Nina não podia nem ouvir falar o nome de Eduardo, o causador desses sofrimentos. Ela bem que avisou a amiga, que ele não era “flor que se cheirasse”. Acostumado a ser mimado pela mãe, super protegido, cresceu infantilizado e egoísta. Queria ser cuidado por todas as mulheres. Tinha lá algumas qualidades que agradavam às suas eventuais vítimas. Vera o conhecia desde o início da faculdade. Encantou-se assim que o viu na cantina, entre os intervalos de aulas. Era um galanteador nato. Conseguia o que queria com o seu jeito de menino inseguro e brincalhão embora tivesse vinte e cinco anos de idade. Sabia rir dele mesmo! Essa foi a forma que encontrou para ocupar o seu espaço social e ser bem aceito. Vera, também insegura, vítima de um pai ausente e de uma mãe egoísta, não teve bons modelos para construção de sua estrutura psico-emocional. Ficou carente e fragilizada. Naquele encontro da cantina, quando Eduardo se aproximou e sussurrou:- ” Quero esses olhos pra mim!”, Vera derreteu-se. Literalmente atendeu ao pedido dele. Ali começou sua paixão! Com o passar do tempo todos percebiam que Vera era mais apaixonada por Eduardo que ele por ela. Ela era mais velha que ele seis anos. Ele estava com trinta e um anos quando a conheceu. Entre idas e vindas ficou com ele por longos sete anos. Tinham feito um pacto de não se casarem oficialmente. “Casar pra que?” Foram morar juntos com a condição de não terem filhos. Ele não queria! Não se sentia preparado. Também colocava a situação financeira deles como uma boa desculpa pra reforçar essa decisão! Professores como eles ganham tão pouco nesse mundo consumista! Eduardo vivia dizendo isso. Na verdade também não queria abrir mão de seus caprichos e nem ter maiores responsabilidades na vida. Vera engolia essa decisão por absoluta dificuldade que sentia em deixá-lo. Ela se conformava porque se sentia dependente emocional dele. Mas o destino trama situações inesperadas. Numa noite quente, depois de duas garrafas de um bom vinho tinto , Eduardo e Vera se entregaram ao sexo como há muito não acontecia. Abriram uma terceira garrafa e o chão sumiu! Tudo aconteceu no tapete da sala, perto da lareira. Ela aquecia ainda mais o desejo! Ali adormeceram jogados naquele tapete felpudo. Fazia um friozinho típico de inverno. Vera acordou antes que Eduardo. Correu para o banheiro. Evitou pensar que não tinham usado camisinha. “Estava no seu período fértil”. Não contaria a Eduardo! Não sabe porque tomou essa decisão. Lá no fundo, bem no fundo do coração, ela queria muito ser mãe! Estava perto dos quarenta anos. O tempo não perdoa. Passa rápido demais. Assim ficou com esse segredo até o período de sua próxima menstruação. Fez teste de gravidez. Não deu outra. O antigo sonho se confirmou. Vera estava grávida! Ficou extremamente ambivalente. Seu coração pulava de alegria e seu racional assinalava perigo na relação com Eduardo. Sabia que, imaturo e irresponsável como ele era, tudo poderia acontecer. Continuava brincalhão como antes, mas de uns tempos pra cá deu pra ser explosivo. Violento mesmo. Vera ficou num conflito danado. Sozinha, entrava em contato com o seu lado mãe e até chorava de alegria. Nos momentos com Eduardo sentia uma angústia incrível. Até quando conseguiria esconder dele a gravidez ? De uma coisa ela já tinha certeza:- QUERIA AQUELE FILHO! Já imaginava a reação de Eduardo. Esperava pelo pior! Passaram-se dois meses e meio. Vera sabia que era uma corrida contra o tempo. Não daria mais pra prorrogar a notícia a Eduardo. Planejou o fim de semana perfeito tentando um clima de prazer. Como ele gostava: – lasanha verde, pudim de leite com calda de caramelo e muito vinho. Talvez uma boa transa depois do almoço! Quem sabe se, inundado de prazer, sua reação fosse acolhedora. Vera não tinha expectativa dele pular de felicidade com a notícia, já que era difícil pra ele. Acolhimento já seria uma resposta feliz diante das circunstâncias. Desgraçadamente não foi isso o que aconteceu! Ao saber da notícia, vociferou expressões violentas por ter sido enganado até então. Ofensas pesadas. Exigia que ela se livrasse “daquela situação”, imediatamente ou a deixaria para sempre. Demonstrou ali o ínfimo ser humano e companheiro que era. Nenhuma sensibilidade e empatia. Não abriu espaço para diálogo com a companheira com quem dividia a vida há tempos. Vera gritou:- “Aborto não!” Disse em alto e bom tom que pra ela bastava. Não queria mais um homem insensível, grosseiro e sem respeito ao seu lado. Assumiria o presente que Deus lhe deu como uma recompensa de todo o amor que sentiu por ele durante tanto tempo. Trancou-se no banheiro e chorou. Chorou muito! Aquelas lágrimas lavaram a sua alma. Conversou bem baixinho com o seu bebê. Falou da felicidade que estava sentindo com a sua vinda. Prometeu amor eterno. Acariciou o seu próprio ventre! Saiu de lá refeita. Na sala o “infeliz,” roncava no sofá como se nada tivesse acontecido. Vera começou a agir com uma doida feliz. Colocou sua música preferida bem alta e começou a dançar freneticamente. Eduardo acordou meio zonzo no meio daquele som. Levantou a cabeça e falou mais alto que o som da música :-Nossa, tive um pesadelo horrível. Sonhei que você estava grávida! Vera não pensou duas vezes e expulsou aquele animal de casa. Isso aconteceu há dois anos. Vera ainda está se recuperando do profundo stress emocional que viveu. Está se reconstruindo. A única certeza que tem é que renasce a cada dia. Assim que chega em casa, seu coração transborda de alegria. Dois bracinhos fofos confirmam isso. “O cheirinho de seu cangote é só meu. Nunca pensei que amor doesse. Como é bom! ESTOU ABORTANDO O EDUARDO. UF!”.
O JARDINEIRO LOUCO! ( REEQUILÍBRIO DA RAZÃO).
Antonio é um homem de quarenta e dois anos de idade. Pode-se dizer que viveu apenas trinta e sete. Foi ai que enlouqueceu. Diziam que enlouqueceu por Amor! Homem extremamente sensível. Inteligente. Nasceu numa família simples e muito amorosa. Nunca faltou contato afetivo que nutrisse sua sensibilidade e sonhos, a não ser no período em que esteve internado na creche, quando muito criança. Sua história: Zé Damião, seu pai, jardineiro simples, nascido na roça. Por lá ficou até o nascimento de Antonio quando decidiu morar na cidade grande. Tentar subir na vida. Ouviu dizer que na cidade seu salário triplicaria. Arriscaria trabalhar em jardinagem nos condomínios de luxo. Era um homem ignorante, mas muito, muito esperto! Tanto que aprendeu sozinho a criar lindos jardins. Casado com Maria das Graças, mulher semi analfabeta, porém de muita iniciativa. Desconhecia o que era preguiça.Tinha atitude diante da vida. Combinara com o marido que iria à cidade grande buscar emprego em casa de madame. Cozinheira de mão cheia, seria fácil arranjar uma colocação. Partiram cheios de sonhos e expectativas e um lindo bebê para criar. Lá as coisas não foram tão fáceis quanto pensaram. O salário era bem melhor mesmo. Quanto mais somado ao salário de Maria das Graças. Dava pra viver bem e ter novas expectativas. Só que o custo de vida era bem mais alto que o da roça. Batalharam juntos. Com dor no coração, Maria deixava Antonio o dia todo na creche. Sentia que criança pequena precisava era de mãe mesmo. Escola só na idade certa. Não quando se é um bebezinho. Mas ela não tinha saída. Só assim conseguiriam trabalhar. Tiveram muitos tombos. Muitas levantadas. Lá, perceberam a enorme distância entre os sonhos e a realidade! Apesar de tudo, não desistiram da luta. Por um bom tempo, tiveram que se acomodar em lugares extremamente simples, com piores condições das que haviam na roça. Mas sempre que o desânimo se aproximava eles pensavam que parte do sonho já tinha se realizado. Estavam na cidade grande! Isso já era bom demais. Estavam mais próximos de poder educar e formar o Antonio. Seria um doutor. Já tinham decidido. Daria muito orgulho ainda pra eles! Antonio foi um menino retraído e tímido. Tinha um comportamento introspectivo e meio calado, mas muito criativo. Conseguia ir bem nos estudos. Tinha uma certa dificuldade de se socializar. Com sacrifício e muita economia, seus pais conseguiram que seu menino fizesse o curso superior. Antonio correspondeu em parte às expectativas da família. Não fez medicina como os pais queriam. Sem chances! Não tinha vocação. Nem tentou. Era um jovem sensível. Exageradamente sensível. Não gostava de ver sangue. Fragilizava fácil. Quase desmaiava. Imagine se fosse fazer medicina! Não quis de jeito nenhum. Formou-se em agronomia. Assim como o pai, gostava de plantas e de lidar com a terra. Logo que se formou, foi trabalhar numa empresa média que vendia plantas, paisagismo e negócios correlatos. Depois de um tempo seu patrão ficou encantado com o sua criatividade e ótimo desempenho. Não demorou muito foi nomeado gerente, com participação nos lucros da loja. Seus pais ficaram radiantes em ver o filho bem sucedido e ganhando um bom dinheiro. Sonho realizado! Suficiente para eles não precisarem mais trabalhar. Resolveram voltar para o interior. Antonio continuou na cidade grande trabalhando muito. Ficou conhecido como “Antonio das flores”! Falante e comunicativo em seu emprego. Lá ele se soltava. Adorava contar aos clientes aspectos científicos de cada espécie de planta ou flor quando surgisse interesse pelo assunto. Parecia que estava dando uma aula. Algumas vezes até se tornava um chato. Ficava tão empolgado que não parava de falar. Não se tocava! Sentia-se envaidecido quando se dava conta de seu desenvolvimento profissional e do reconhecimento das pessoas. Reforçava a sua auto-imagem. Os ventos estavam soprando a favor. Seu padrão propôs sociedade em troca do trabalho excelente que ele realizava na empresa. Antonio entraria com a responsabilidade de administrar a loja sozinho gerenciando também os quarenta funcionários que lá trabalhavam. O patrão com setenta e dois anos de idade, se afastaria. Estava cansado. Queria aproveitar essa fase da vida de uma nova forma. Talvez viajar e conhecer muitos lugares. Não ter horários rígidos. Antonio topou. Foi transformado num empresário, com apenas vinte e oito anos de idade. Metade da empresa “Natureza Viva”! Sonho realizado! A loja tinha um grande movimento. Nesse contexto emocional sua auto-estima ficou lá em cima. Identidade reforçada. Não era um homem bonito. Charmoso sim! Até demais. Um misto de simplicidade e autenticidade que lembrava a transparência de uma criança. Cabelos castanhos e lisos com uma mecha insistindo em cair sobre o olho esquerdo. Olhar profundo, um tanto caído e de uma tristeza sutil. Talvez marcas do período da infância passada dentro de uma creche em período integral. Esse traço de tristeza era uma das marcas de seu charme. Quando seus pais voltaram para o interior, se viu sozinho na cidade grande. Antonio foi morar num apartamento pequeno mas muito confortável. Ficava bem próximo do seu emprego. Assim iria a pé para o trabalho. Nunca quis tirar carta de motorista. Combinou que iria visitar os pais uma vez por mês. Nesse meio tempo se apaixonou perdidamente por uma cliente da loja. Laura! Moça bonita e sensual. Extremamente extrovertida. Um tanto leviana e mal falada nas redondezas. Gostava de atrair homens carentes. Tirava seus proveitos e os abandonava sem nenhum arrependimento. Era considerada uma mulher fatal, na linguagem popular. Coitado de quem caísse em suas garras! Antônio carente e meio ingênuo, caiu como um pato. Pobrezinho. Laura, esperta como ela só, não perdeu tempo. Jogou muito charme e conversa em cima de Antonio. O homem pirou. Perdeu o chão. Desatinos atrás de desatinos. Ela brincava com a fragilidade emocional dele. Saia com ele e com outros. Não tinha escrúpulos. Esse era o seu padrão de comportamento. Laura tinha também outros traços de caráter. Gostava de cuidar! Sabia ser carinhosa. Além disso, sabia fazer pratos deliciosos, assim como a mãe Antonio. Isso para ele era o máximo. Cada dia mais fascinado. Ficou uma coisa doentia. Obsessiva. Laura sabia alimentar isso nele. Por outro lado o imprevisto aconteceu. Laura se surpreendeu apaixonada, também, pelo jeito simples e cristalino de Antonio. Era autêntico como uma criança. Laura dizia que ele era o menino dela. Felizes da vida resolveram morar juntos. Seria uma experiência. Se desse certo, maravilha! Laura conseguiu ser parcialmente fiel por quase nove anos. Nesse tempo resolveu estudar culinária para aperfeiçoar seus dons. Queria trabalhar na área e ganhar o seu dinheiro. Considerando o caráter da moça, parece que tinha amadurecido durante o tempo que moraram juntos. Antonio respirava Laura! Ele se transformou num fantoche em suas mãos. Antonio nem lembrava de visitar os pais lá no interior; não queria desgrudar de seu amor. Ela muito voluntariosa. Antonio morria de medo de perdê-la. Fazia tudo que Laura queria. Parecia um robô! Se despersonalizou totalmente. Sentia-se feliz em viver daquele jeito com ela. Só que essa dependência de Antonio enfraqueceu ainda mais a ralação entre eles. Laura paulatinamente foi perdendo o interesse por ele. Começou a detestar seus exageros com ela. Evitava os seus carinhos, sempre com uma boa desculpa. Se para Antonio naquela altura do relacionamento tudo estava perfeito, para Laura foi ficando insuportável! Ela começou a sair sozinha nos fins de semana, dando sempre uma desculpa mentirosa. Estava no auge de seus trinta anos hormonais. Queria muito mais da vida! Já não sentia mais nada por Antonio. Nem gratidão pelos anos que conviveram e tudo que ele fez por ela. Queria novos ares para oxigenar o coração. Partiu! Silenciosamente. Apenas uma mensagem de voz implorando para ele nunca procurá-la. Um adeus frio e calculista. Sem a menor marca de carinho. Foi o pior fim de semana na vida de Antonio. Restou somente o perfume dela no lençol da cama! Antonio desnorteou-se. Pensou que fosse uma brincadeira malvada. Depois foi caindo a ficha. Não conseguia aceitar o abandono. Não conseguia admitir que se enganara tanto. Começou a entrar em diferentes estados emocionais. Desde a negação até a depressão. Com o passar dos dias alternava ciclos de compulsão e obsessão. Sozinho e sem amigos, estava perdendo a vontade de viver. Quem o conhecia comentava não ser possível uma mulher fazer esse estrago na vida de um homem. Só se ele estivesse doente! Antonio não queria se alimentar. Começou a se embriagar. Se negava a tomar remédios. Afastou-se do trabalho por absoluta falta de condições. O psiquiatra diagnosticou um quadro de confusão mental alternado com mania e depressão. Indicou afastamento do trabalho temporariamente até melhorar seu estado de saúde. Antonio, fragilizado, voltou para o interior para a casa dos pais. Lá teria acolhimento emocional. O doutor lhe disse que o quadro mental desencadeado por aquele stress era uma tendência hereditária. Tinha nascido com ele. Fazia parte de sua estrutura psíquica, por isso precisava de tratamento. Seu avô paterno tivera um quadro mental semelhante, por outros motivos. Antonio nunca mais viu Laura. Embora de início tivesse feito de tudo pra encontrá-la. Soube-se que ela estava com outro alguém. Foi morar longe dali. Antonio entrou na fase da NEGAÇÃO da realidade. Esperava que ela de repente voltasse ou ligasse. Assim passava os dias alienado, lá no interior. Não estava bem mesmo. Comportamento estranho. Expressão muitas vezes não coerente com a realidade. Seus pais preocupados e cuidando do único filho. Para preencher o tempo Antonio começou a trabalhar com jardins e flores lá no interior. Passados quase cinco anos nessa condição mental, algo de novo aconteceu. Começou a pintar. Não queria mais voltar pra cidade. Lá a vida dá medo! A perturbação mental se acalmava com as flores ou com as telas. Sua empresa na cidade foi vendida e seus pais investiram o dinheiro para sobreviverem bem. Hoje, depois de quase cinco anos, Antonio anda fazendo lindos quadros com temas floridos e passionais. Encontrou na arte a forma de expressar sentimentos bloqueados dentro de si. Fez uma exposição de quadros no último fim de semana que atraiu muitos turistas. O tema girava em torno de uma fatal história de amor. O personagem principal estava exposto como um “Jardineiro louco”, que enlouqueceu por amor. Teve um turista que comprou toda a coleção. Ficou encantado com a sutileza dos traços e com aquela história de amor. Esse turista prometeu voltar e talvez negociar com Antonio seus quadros no exterior. Depois daquela tarde de domingo, algo de novo aconteceu no coração de Antonio. Parece que acordou novamente para a vida. Em seu ritmo foi se organizando energeticamente e mentalmente. Parecia um milagre! O “Tonho louco” conseguiu falar de sua dor. Libertou-se! BOAS VINDAS ANTONIO. Noutro dia, pintando uma de suas telas em praça pública, alguém novo na cidade lhe perguntou: – Quem é você? Sorrindo, respondeu:- ANTONIO DAS FLORES OU TONHO LOUCO. VOCÊ ESCOLHE!
A FÚRIA DOS BICHOS!(JUSTIÇA DA VIDA).
“A vida grita por seus direitos! A injustiça que existe na terra não pode continuar da forma que está! Somos alvos diretos desses seres humanos desalmados”. Gritou a leoa mais evoluída da floresta. Leoa dourada! Enfurecida, em cima de sua árvore preferida, seus olhos tinham uma luz de fogo. Ainda gritando, continuou vociferando sobre as maldades e destruições que seus companheiros de espécie andam sofrendo através dos tempos. Gritava tão alto que até doía os tímpanos dos animais presentes. Falava das caças e torturas que sempre haviam na floresta. Invasões e terrorismo o tempo todo. Não dava mais pra suportar! Enfurecida, disse que tinha chegado aos seus ouvidos os enormes sofrimentos a que os animais nas cidades grandes também estavam submetidos! Além de escravizá-los covardemente também os assassinavam. A Leoa Dourada em seu discurso estava convocando para uma “revolução”! Certamente não poderia contar com os animais das cidades visto que eram prisioneiros. Não! Não, podiam contar com eles. Apenas lutar por eles! Horrorizada falava que eles eram vítimas inocentes, encarceradas e condenadas à morte sem terem feito mal a ninguém. “Os humanos se divertiam e se enriqueciam com a matança de animais”! Vamos acabar com essa crueldade toda. A Leoa Dourada estava revoltada. Dizia que o universo também não poderia estar a favor desses cruéis desalmados. Ele certamente conspirava a favor dos bichos! Com muita indignação ela aumentava o tom da voz e descrevia a falta de sensibilidade total dos humanos para com os animais. “Temos direito à vida”. Falou até sobre a força do instinto de vida que existe nas diferentes espécies. Tanto nos animais quanto no seres humanos o “instinto de vida” é muito forte! Vacas, cachorros, galinhas, porcos, patos, perus e tantos outros… Ninguém quer morrer, assim como o homem. “Não saímos por ai matando humanos por nada!”. Terminado seu eloquente discurso, todos aplaudiram intensamente . A Leoa Dourada estava visivelmente muito entusiasmada e satisfeita com o resultado obtido. Todos os animais em coro concordavam com o que estavam ouvindo; então a Leoa conclamou a união de todos os presentes. Era necessária uma reação em massa na busca da melhor estratégia. No meio desse calor emocional, surgiu de repente, bem ao lado da árvore em que a leoa estava, uma enorme vaca branca com uma ave de rapina sobre o dorso. Parecia uma ave de contos de fada! Ela segurava um cartaz em seu bico com o seguinte dizeres:- “Vamos lutar com as armas que temos”. Todos os animais leram em coro. Começaram a repetir bem alto as frases do cartaz:- “Eles se alimentam e se enriquecem com a nossa dor. É injusto! GUERRA!”. Terminada a explosão emocional do bando, foram combinar uma solução inteligente e sutil. Uma forma inesperada em que eles se surpreendam. Todos que estavam por ali começaram a expressar seus sons num tom alto e gutural conclamando união e força e dando suas opiniões. Muito alterados pela emoção presente. Aceitando o desafio que a situação exigia. Foi pedido um instante de silêncio. Depois da reflexão grupal, decidiram qual a melhor forma. Sigilo total! Todos concordaram que seria uma arma invisível. As formas que os humanos tem para essas situações, não resolveriam de imediato o problema que os bichos criariam. Máquinas seriam impotentes para protegerem os humanos com a estratégia criada pelos bichos. Talvez , depois disso, eles respeitassem mais a vida no planeta. Decisão tomada! Foram à luta! O mundo então adoeceu mortalmente. Os homens não desconfiaram da justa vingança dos animais. Estão tão involuídos!”! Esse sonho foi relatado por MARIANA, em sua sessão de terapia, um pouco antes da pandemia. Jovem excessivamente carnívora. Um tanto insensível. Indiferente aos animais. Supérflua. Levava uma vida desintegrada de sua verdadeira sensibilidade. Só percebia a sua própria dor. Dessa ela tentava cuidar para não sofrer. Esse sonho foi extremamente mobilizador na vida dessa menina moça. Alterou valores em seu modo de olhar a vida. Não sabia explicar o porquê! Só sabia que se sentia mais integrada consigo mesma. De início achou até esquisito tantas transformações sem que ela pudesse reagir. Apenas aconteceu. Mudou! Sente que sua consciência se ampliou para um mundo de sensações desconhecidas e intensas. Mais integrada à natureza. Talvez mais leve. Desenvolveu muita empatia. Não consegue nem pensar que pôde colaborar com o sofrimento dos animais, mesmo que de forma indireta. Surgiu uma necessidade enorme de se aproximar do mundo deles. Começou a ler textos, livros e pesquisas sobre o mundo animal. Fez visitas a ONGs. Comprometeu-se a fazer trabalhos como voluntária. Adotou Jade e Jasmim! Sua casa anda numa bagunça colorida. Muita festa por lá. Sapatos roídos pelas brincadeiras das meninas. Carne, só de soja. Mais feliz e amorosa. Decidiu que irá fazer veterinária para estar mais íntima desses bichinhos tão incríveis. Quer se tornar uma profissional da área. Registrou em sua mente a certeza que sua leoa é sábia. Poderosa. Conseguiu transformá-la numa nova pessoa! Nunca mais vai se nutrir da dor de nenhum ser inocente. “MATAR? SÓ A TRISTEZA E A SAUDADE!”.
DIVÓRCIO! (AMIGO IMAGINÁRIO).
Ana Marta, sete anos de idade, acordava sobressaltada todas as noites. De repente, no meio da madrugada, com muito medo, sentava na cama com os olhos meio vidrados chamando pela mãe. Essa situação estava recorrente. Tudo começou a partir do momento em que seus pais se separaram, há seis meses. Separação litigiosa. Muitas brigas e exposições emocionais violentas em que seus genitores não tomaram o devido cuidado de poupar essa criança. Ana Marta adorava o pai. Era o seu ídolo. Falava que “quando crescesse queria namorar com ele”! Na verdade Cláudio foi um ótimo pai enquanto esteve presente na vida da criança. Depois que se apaixonou pela garçonete da faculdade onde dava aulas tudo mudou. Esse homem enlouqueceu. Só cometeu desatinos. Abandonou a família sem olhar para trás. Era uma sexta feira quente de verão. Aquele deveria ser um dia especial para a sensível Ana Marta. Aniversário de sua melhor amiguinha da escola. Estava ansiosa esperando pelo pai naquele fim de tarde. Ele havia prometido levá-la à festa. Ficou ansiosa o dia todo. Numa expectativa danada. À tarde, depois do lanche, já quis vestir a roupa da festa. Vestido vermelho com bolas brancas, cheio de laços. Lindo, lindo! A babá arrumou seus cabelos louros dourados, num rabo de cavalo que realçava seu rostinho delicado. Calçou os sapatinhos brancos que sua mãe havia comprado para esse dia especial. Ana Marta parecia uma princesa. Sentadinha na sala, brincando com Lia, sua boneca preferida. Ficou distraída por um longo tempo esperando o pai chegar. Na casa só se encontrava ela e a babá. A mãe estava viajando a trabalho. Chegaria no dia seguinte pela manhã. Foi a um congresso da área em que trabalhava. As horas foram passando. Ana Marta começou a reclamar com a babá da demora do pai. Tinha medo de perder a festa. A babá a acalmava e dizia que logo ele chegaria, e, calmamente, continuava entretida no romance que estava lendo, desconectada do estado emocional em que a menina se encontrava. Assim o tempo foi passando e nada do pai da pequena chegar. Ana Marta agarrada à sua boneca, começou a chorar quando olhou os ponteiros do relógio. Lembrou que a velinha iria ser assoprada as nove e meia da noite. “Festa de criança tem horário”! O desespero da menina fez com que a babá tentasse falar com o seu pai, Cláudio. Deu caixa postal. Tentou contato com a mãe, Maria; também não conseguiu. Estranhou! Ana Marta, extremamente frustrada quis ir para o seu quarto. Ainda vestida de festa. Adormeceu abraçada à Lia… Naquela noite a babá dormiu no emprego. Logo cedinho, Maria, a mãe da menina chegou. Quando soube do ocorrido, furiosa, tentou falar com o marido. Caixa postal! Não podia acreditar. Onde aquele idiota teria se metido? Que ele andava estranho há algum tempo, ela já sentia. Frio. Evitando intimidade. Mas isso não era novidade no casamento deles. Muitas brigas e reconciliações já era um padrão conhecido. Maria atribuía muitas dessas brigas ao stresses dos últimos tempos. Ela não se preocupava tanto assim! Na verdade não o admirava muito como homem! Mas ainda algo a prendia naquele casamento, talvez a filha, concebida com tanto amor. Quando sentia ímpetos de se separar imediatamente emergia a vontade de tentar novamente. Pensava que talvez tudo pudesse melhorar. Stress e conflitos de temperamentos existem em qualquer relacionamento. Agora, a atitude dele com Ana Marta foi imperdoável, a não ser que tivesse um motivo muito grave! Apenas! Fora isso, não tinha o direito de ter feito o que fez! Maria era uma mulher bem racional. Procurava organizar os pensamentos antes de tomar uma atitude séria. Mas, mesmo com toda a sua racionalidade, não suportou saber da dor sentida pela filha. Chorou de tristeza também! Imediatamente se desfocou da dor e transferiu o seu pensamento para o seu marido Cláudio. Onde andaria aquele sem vergonha? Nem dormiu em casa! Como teve coragem de sumir sem dar notícias? Insensível! Resolveu tomar um banho pra aliviar a cabeça e esperar pelo canalha. “Será que tinha acontecido algo”? Não. Más notícias chegam rápido! Não precisou nem começar a pensar nisso! Assim que entrou em seu quarto, bem em cima da escrivaninha, ao lado da cama, havia uma carta fechada. Antes não tivesse lido. Impressionante! Como fora capaz? Desde então, Ana Marta se transformou numa menina triste e solitária. O brilho de seu olhar ofuscou. Expressão triste. Na escola se afastou das amigas. Ficou apática e problemática. Nem a Lia, sua boneca preferida, ela queria por perto. Desenvolveu em seu mundo imaginário amigos leais, como compensação. Estão com ela sempre que precisa. Eles não a abandonam nunca. Tem até cachorrinhos coloridos. Com nomes escolhidos por ela. Sua única diversão desde então, é ficar trancada em seu quarto brincado com esses amiguinhos. Ultimamente seu quadro de ansiedade havia piorado muito. Muitas noites acordava chamando pelo pai. Diante do agravamento de seu quadro emocional, mesmo tendo pouco tempo disponível para a filha, Maria, resolveu tomar uma atitude já que o pai foi morar em outra cidade. Ana Marta ficou muito arredia com ele. Passou a vê-lo pouco. Parece que ele nem sente falta da filha! Também, apaixonado como ele está pela nova mulher! “É UM MOLEQUE MESMO”! Maria, usando sua racionalidade, entendeu que Ana Marta precisa de tratamento psicológico infantil. Ela sabe muito bem o que é depressão. Quase foi fisgada. Não é justo que minha inocente menina seja vítima dessa fera. Não! ” ELA NÃO ROUBARÁ O BRILHO DE SEU OLHAR!
O CARRASCO! (IDENTIDADE ANULADA).
Existem vários tipos de caracteres que podem determinar comportamentos em uma pessoa. Por isso, os relacionamentos humanos se tornam tão complicados. Dependendo de quem escolhemos, podemos nos tornar “escravos dessa escolha”. Consciente ou, pior ainda, inconscientemente. Esses traços, muitas vezes, não são fáceis de se perceber. Estão encobertos por atitudes que seduzem e enganam o outro. Até o próprio portador pode não reconhecer as dimensões de suas neuroses e traços patológicos. As defesas das neuroses, popularmente, são batizadas com nomes disfarçados. Muitas vezes enfeitados de laços cor de rosa! “Nossa, Elisa é perfeita, nunca erra”! Enganam bem. Tudo que é exagero, não é natural! A maioria das pessoas desequilibradas não se sente assim. Assume que esse é o seu jeitão! Vão construindo e somando novas neuroses através de relacionamentos doentios. Tem muita necessidade de se auto-afirmar e por isso funciona como um trator. Detona o outro com exigências e críticas absurdas. Muito controle. Isso fortifica e lhe dá imenso prazer. É uma forma de se proteger da sua “miséria emocional”, escondida nos escombros de sua história. Existem traços neuróticos em vários graus. Do imperceptível ao grau extremo! Na nossa sociedade é praticamente impossível não se ter algum tipo de neurose. A vida social, nos dias de hoje, estimula exageradamente o indivíduo. Nível de stress intenso! Despersonaliza! Fica muito complicado não se desestabilizar energeticamente. Fora as mazelas emocionais e as rupturas familiares, tão em moda atualmente. Acrescentem-se tantos conflitos e decepções. Quanto maior o acúmulo desses aspectos maior descompensação. Essa situação toda tem uma relação, também, com a qualidade energética que a pessoa trouxe de sua carga genética. A soma desses fatores pode refletir num indivíduo mais ou menos equilibrado. Os recursos para administrar saudavelmente essas angústias vão depender do resultado dessa soma. Quando nos apaixonamos, estamos contactando apenas o lado visível, o idealizado. Na verdade, sem saber, estamos assumindo o pacote emocional completo da vida emocional do amor escolhido. Com o passar do tempo e na convivência, as máscaras vão caindo. A pessoa vai se desnudando lentamente e, algumas, abruptamente. Com esse desnudar, esses aspectos, que descompensam, vão intoxicando a relação. A paixão que a gente julgava ser amor, vai se transformando em um tormento contínuo e avassalador, assim que as neuroses mais profundas emergem. “O príncipe vira sapo”! De início, muitas vezes, fechamos os olhos. Não queremos admitir essa realidade destruindo os sonhos que embalaram tantos momentos mágicos. Considerando também que as nossas próprias neuroses se chocam com as da pessoa com quem convivemos. Essa explosão de reações detonam o encanto e a saúde como um todo. Submeter-se é anular a própria identidade. Reação sem medidas, “explosão à vista”! Saber administrar no limite do equilíbrio saudável é o recurso mais indicado para tentar se auto-afirmar e resgatar o respeito imprescindível para o bom viver. Isso deve ser trabalhado no início do relacionamento. A cada manifestação de uma atitude que agride ou invade, pontuar. Saber ouvir. Expressar. Sentir se o momento comporta uma “discussão”, ou postergar para quando a poeira tiver abaixado. Sofrer ou ser feliz? Depende de cada um de nós. Do cultivo da inteligencia emocional que ajuda a enxergar o norte. Fazer as pazes com o nosso lado saudável requer reflexão e auto discernimento. O carrasco mora dentro de cada um. Desmascare-o. “FAÇA-O SORRIR”!
ALÉM DO ARCO IRIS! (ALEGRIA).
Amanhecer lindo. Naquela manhã decidi caminhar nas areias úmidas da praia. A maré tinha subido muito durante a madrugada. Tirei os chinelos. Precisava acordar o meu peito que insistia naquela angústia intermitente. Talvez a areia úmida pudesse me ajudar! Estava numa situação emocional muito complicada. Assim que senti aquele frio úmido embaixo dos pés, subiu pela minha espinha um arrepio intenso. Cheguei até a sentir um certo frio no corpo todo. Era uma manhã de sol, atenuado por ventos leves. Típico outono. Marcelo, um amigo muito amado, me disse certa vez que a natureza tem remédios para todos os males da alma. É só buscar. Ela é tão generosa! Oferece de graça possibilidades infinitas de resoluções para certas prisões que acometem o coração. Esse meu amigo vive em minha mente. “Respiro ele”! Dizia que tinha dons de telepatia. Eu brincava com isso. Sempre que estávamos juntos, meio gozando, ele queria adivinhar os meus pensamentos. A gente ria muito. Confesso que muitas vezes ele acertava, mas eu não admitia. Só para tirar ele do sério. Ficava zoando com ele. Mas realmente a sua sensibilidade era incrível! Chorei muito em seus ombros quentes. Era meigo, carinhoso e criativo. Menino inteligente! Mais velho que eu onze anos. Naturalmente mais amadurecido. Eu era uma moleca de dezoito anos! Como um professor, tentava me ensinar a lidar com as encrencas emocionais em que me metia. Meus hormônios a mil. Imaginem! Confessava pra ele todos os segredos que não dizia nem pra minha mãe, que insistia em ser minha amiga intima. Não. Não confiava nela. Só no Marcelo. Intimamente eu tinha uma admiração enorme por ele. Mais que pelo meu pai! Ele sempre foi tão leal comigo. Meu pai, nem tanto. Me mentiu várias vezes. Me tratava como uma menininha desprovida de inteligência. Acho que ele não me admirava! Quando se separou de minha mãe nem senti sua falta. Nunca mais quis vê-lo. Nem ele a mim! Minha mãe era outra pessoa mal resolvida. Com aqueles namorados imbecis que ela arrumava, só me afastou dela. Ela também não estava nem ai comigo. “Graças a Deus”! Nunca foi a mãe que eu queria. Fui morar sozinha aos vinte e dois anos. Foi bem nessa época que Marcelo foi transferido para o exterior. Era cientista e iria terminar o seu doutorado. Fiquei numa tristeza infinita! Na partida, ele prometeu emocionado que um dia viria me buscar. Chorei mais ainda quando ouvi isso. Lembro do avião subindo. Meu coração se despedaçando em mil pedaços. Naquele momento senti que não era só amizade. Estava apaixonada por Marcelo. Acho que ele nem desconfiava. Sempre me tratou como uma irmã. Isso aconteceu há dois anos. Passei esse tempo todo desviando os meus pensamentos da imagem que guardei dele. Mas, mesmo que eu evitasse pensar, ele vinha através de sonhos, atos falhos… De vez em quando a gente se falava. Ele mandava fotos. Todo lindo e feliz! Nem desconfiava da minha dor. Eu nunca falei nada. Tinha medo de perder o amigo. Na noite anterior daquela manhã em que fui andar nas areias úmidas da praia, eu tinha sonhado com ele. Foram tão fortes as sensações. A sua presença. Seus olhos risonhos e amendoados. Sua voz tão poderosa em mim. Quantas saudades! Quando acordei e me vi diante de minha costumeira solidão acho que deprimi. Até o meu gato me abandonou naquela manhã. O que me deu um certo alento foi olhar para a orquídea lilás, toda florida na mesa de centro de minha sala. Presente de Marcelo, antes de partir. Suas flores energizavam a sala inteira. Era uma forma lilás de estar com ele. Acalmava a minha solidão. Cuidava daquele vaso como se estivesse cuidando de Marcelo. Naquela manhã, foi ela que me impulsionou a sair e caminhar na praia. Naqueles dias, estava muito preocupada porque não tinha notícias de Marcelo há quase um mês. Tentava entender o porque! Na areia úmida, envolvida nesses pensamentos doloridos, caminhava olhando para o chão. Por um momento levantei os olhos para o céu e vislumbrei um arco iris maravilhoso enfeitando o horizonte. Me senti hipnotizada diante daquela beleza. Continuei andando sem olhar para a frente. Com o olhar fixo naquelas cores mágicas. De repente, trombei com alguém. Quase cai na areia. Que susto lindo! Não podia acreditar. Marcelo de propósito trombou comigo. Com seu olhar risonho e energético, rindo e balbuciando palavras de carinho, me envolveu num abraço de explodir o coração. Milhões de arcos iris! Foi o momento mais intenso que pude viver. Milagres existem! Num repente tudo mudou dentro de mim. Ele, como sempre brincalhão, falou que estava com saudades de cuidar de sua “menininha maluca”. Me belisquei com medo de estar sonhando! Será que tenho chances com esse senhor? Ele odiava quando o chamava assim! Gostava de irritá-lo. Ele ficava mais lindo ainda. Um brilho diferente no olhar. Só sei que tenho respirado a alegria de viver! Ontem criei coragem e mandei uma mensagem pra ele: QUER VIAJAR NUM ARCO-IRIS?
O POBRE EXECUTIVO RICO! ( PRAZERES RASOS).
Ego equilibrado, mente saudável! Como é triste ver um ser humano com valores fúteis e vazios, encobertos por um ego inflado, doente, desconectado de sua primeira natureza. Na nossa sociedade isso acontece com frequência. O que impulsiona esse tipo de pessoa é a baixa auto estima. Precisa se sentir importante e admirado por todos. Tem uma desmedida necessidade de fazer sucesso e fama. Ganhar muito dinheiro também fortalece esse tipo de ego. Valores que foram estimulados exageradamente em sua educação, sem a necessária conexão com o seus sentidos. A sociedade também estimula e valoriza muito esse tipo de caráter. Alcançar metas, sem dúvida alguma, é essencial e faz parte do crescimento pessoal, porém, esse crescimento deve estar integrado ao nível emocional do indivíduo. Quando não há essa integração pode acontecer uma ruptura entre o “SER E O TER”! Não podemos trair a nossa essência. O preço a pagar é muito alto. Quando o coração deseja e se cala, o mental se torna soberano. Tragédia anunciada! Os sentidos devem ser ouvidos, considerados e ponderados diante da realidade. Essa integração do mental com os desejos facilita a realização das escolhas assertivas. É uma porta aberta na busca da plenitude. Tudo que traz felicidade nasce de dentro do peito! O problema acontece no momento em que se confunde prazer com felicidade. “Felicidade nasce no coração. Prazer vem de fora para dentro”. Prazer fortalece aparentemente o ego. Quanto mais baixa a auto estima, mais inflado fica o ego com aquisições externas. “Ego inflado”. Ele não tem contato com os desejos genuínos. A pessoa tem a falsa sensação de ser forte e poderosa. Na realidade não preenche o coração. Está doente e não sabe! Com o passar do tempo, o vazio do coração pode começar a incomodar. Nestes momentos é que podem entrar as drogas e tudo aquilo que se apresente como alívio e cause prazer. É uma tentativa de preencher as frustrações de um ego frágil. Recebi em minha clínica, há cinco meses, Sérgio Francisco. Quarenta e dois anos. Importante executivo de uma multinacional. Sua queixa era o aparecimento de uma súbita depressão, que estava teimando em vir com mais frequência. Ficou assustado. Segundo ele, não havia motivo palpável. Homem racional, articulado e de raciocínio rápido. Boa presença. Sua fala expressava entusiasmo com a vida agitada que sempre viveu. Tanto pessoal, quanto profissionalmente. Muita bajulação e festas. Sucesso no cargo que exercia. Uma boa conta bancária. Não se conformava de não ter controle sobre essas crises. Sempre conseguira controlar tudo! Enquanto falava, expressava um sorriso sedutor. No entanto, em seu olhar, notei a presença de uma energia parada. Expressão de muita tristeza. Os olhos negavam a euforia que suas palavras tentavam me transmitir! Era de um vazio profundo! “Olhos reveladores”! Sérgio Francisco falava rápido, num tom alto, esboçando um sorriso meio irônico. Respiração acelerada. Transparecendo toda a ansiedade que tentava esconder. Fiquei ouvindo-o por um longo tempo. Até que deu sinais de esgotamento. De repente, o homem falante, poderoso e importante foi se desmanchando e surgiu um abatimento, um cansaço de se expressar. O ritmo e o tom de sua voz foram diminuindo. Uma prostração física. Ficou transparente a fragilidade interna, encoberta pela estrutura de seu caráter. Tentei com muito cuidado entrar em contato com o enorme vazio que senti em seu peito. Busquei novamente o seu olhar. Ele correspondeu e focou no meu. Ficamos assim por alguns instantes. Convidei-o a se posicionar em seu eixo; também me posicionei. Iniciei uma respiração onde ele entrasse no mesmo ritmo. Foi rápido. O peito se abriu. O menino carente chorou, deu as caras! Chorou soluçando. Pediu socorro! Conseguiu trazer à luz tristezas contidas há tempos. Nesse momento começou a ser verdadeiro. Iniciou a narrar a sua historia. Retirou a máscara que sempre usou tão bem no social. Parecia outra pessoa. O oposto da imagem de poucos instantes atrás. Revelou mazelas e fraquezas. Bem diferente do início de nossa conversa. Conseguiu falar da sedução que ele sabia que exercia sobre as pessoas e que isso sempre o envaideceu. Principalmente com as mulheres. Sabia que era vaidoso e cheio de caprichos baratos. Isso lhe dava prazer. Adorava trocar de mulher. O relacionamento mais longo que teve não durou mais que seis meses. Gabava-se disso. A oferta era maior que a procura, segundo ele! Sua verbalização traduzia um certo desprezo pela figura feminina. Permanecia na relação enquanto o prazer sexual estivesse alto e ele pudesse exibir a sua presa em seu meio social. Não gostava de falar sobre sentimentos com essas mulheres. Era um monte de “blá, blá, blá”. Perda de tempo. “Mulheres são cansativas”! Amigos? Tão doentes quanto ele! O início da crise chegou inesperadamente. Estranhou que profissionalmente andava muito irritado. Muita cobrança! Muitas reuniões. Decisões importantes. Uma rotina chata. Chata demais. Essa sensação surgiu do nada! Nos últimos tempos começou a se estressar com tudo. Não conseguia mais ter o prazer de antes. Sentia-se como uma máquina. Era como se as coisas tivessem perdido o sentido. Não entendia o porquê! Tudo sempre pareceu estar tão bem em sua vida. Pensamentos estranhos começaram a emergir! Vontade de fugir de tudo aquilo que representara tanto para ele. Pensava: “de que adiantava tanto dinheiro? Tanto luxo e vida fácil? Tantas mulheres fúteis?”. Definitivamente não era isso que queria para a sua vida. Estava infeliz! Sensação de estar sendo sugado por todas as pessoas tóxicas que o cercavam. Ambiente vampiresco! Relações superficiais. Interesseiras. Não, não queria mais isso em sua vida. Percebeu que não tinha fontes de afetos. Alguém em quem confiar de verdade. Buscou respostas internas e concluiu que deveria se auto-resgatar. Não queria acabar como um molambo entregue às drogas. Superando suas resistências, foi ao psiquiatra. Diagnóstico: início de depressão. Receitou calmantes que ele se negou a tomar. E a depressão reincidente. Mais intensa. Num desses dias em que estava mal, deprimido, tentando sair desse quadro, aceitou o convite da turma dele para uma noitada. Não tinha outros amigos! Na festa topou experimentar drogas. Começou pelas mais leves, na ilusão de se sentir melhor. De início até sentiu um certo alívio. Funcionava como uma válvula de escape dos pensamentos e sensações ruins. Durava pouco esse alívio. Nova crise. Mais drogas. Depois desse dia fatídico, adotou a droga como companheira. Era como uma bola de neve. A necessidade de fuga se intensificando e aumentando a dependência química. Novamente o mesmo quadro emocional se repetindo! Começou a faltar aos compromissos profissionais. Não tinha vontade e nem energia suficiente. Foi ficando angustiado. Não sentia mais prazer com nada. Se auto destruindo cada vez mais! A sensação de poder que as drogas lhe dava foi sendo substituída por falta de vontade de viver. Fundo do poço! Perdendo a identidade. Sentia-se como um zumbi. Não conseguia mais trabalhar em condições normais. Nem participar das intensas reuniões da empresa. Foi se tornando desconectado e sem interesse pelos negócios. Nesse estado grave, foi convidado pela presidência a tirar férias e se tratar. Precisava se cuidar. Ele era muito bem conceituado. Tinha que recuperar a saúde para sustentar-se no cargo! Nessa altura de seu relato, expressou num tom baixo, que precisava mudar de vida. Não suportava nem pensar na empresa e naqueles “amigos”. Relatou que seus pais, especialmente a sua mãe, fez com que ele sabotasse o desejo de ser músico. Quando criança aprendeu piano. Insistiu que tinha esse desejo. Que nada! Falavam que era muito difícil ser um pianista famoso. Ter um bom nível de vida. Ele não conseguiu reagir à força manipuladora dela sobre ele. Como ele era bom em matemática, ela fez a sua cabeça! Administração ou economia. Ótimas escolhas. Qualquer uma dessas! Ele relutou, mas a mãe venceu. “Ela sempre tinha razão!”. Tornou-se um grande profissional na área de finanças. Fez de acordo como que lhe ensinaram na vida! Uma grande empresa seria o lugar certo para exercer seu poder de persuasão e comando. Ganhar dinheiro. Traços fortes de seu caráter, segundo a mãe. Ela insistia nisso. Sentença cumprida. Sua mãe sempre subestimou a grande sensibilidade e vocação dele pela música. Gostava de falar da grande inteligencia que ele tinha pra todo mundo. Ele estava acostumado a obedecer. Queria que seus pais tivessem orgulho dele. Reprimiu raivas, sem se dar conta. Não foi atrás de seu sonho. Assim se tornou o Sérgio Francisco um executivo exemplar, com todas as qualificações que a família esperava dele. “Quando traímos a nossa primeira natureza, a vida não nos perdoa”. Fica uma culpa inconsciente. Até que a crise brava chegou. Aqueles valores caíram por terra. Auto-destruição! Em algum ponto interno houve uma luz que o conduziu. Teve tempo de perceber que andou visitando as barreiras do inferno. Uma nova opção de vida se fazia necessária. Desta vez teria que encarar a velha senhora! Estava diante de uma única escolha: QUERIA SER FELIZ!
FILME DE TERROR! ( MOBILIZAÇÃO DO MEDO).
Porque será que apesar de ter medo, quase toda criança adora filmes de terror? É curiosa essa posição psicológica no comportamento infantil. No seu aparato psíquico há um intenso conteúdo de emoções e fantasias, pertinentes à própria fase. ” Medo e fantasia do medo”! Esses aspectos, se estimulados em grau elevado, podem deixar a criança num estado vulnerável e frágil diante de seu momento de vida, aumentando ainda mais suas fantasias de medo. Criança tem também uma certa atração pelo medo. Nessas vivências, ela alimenta a sua curiosidade e descarrega tensões. Num grau apropriado à sua faixa etária pode funcionar como uma válvula de escape de uma gama de energias contidas em seu mundo intra-psíquico. Crianças até uma certa idade estão num estágio muito concreto diante dos fatos. Não tem noções amadurecidas sobre tempo e espaço. Sua capacidade de elaboração psíquica fica muito no aqui e agora. Há duas semanas chegou em minha clínica uma mulher chamada Beatriz. Veio falar de seu filho Marcel, de nove anos de idade. Precisava de ajuda! Em seu relato dizia que teve uma enorme preocupação em ser uma boa mãe e que isso refletisse saudavelmente na formação de seu filho. Se auto- cobrava muito. Segundo ela, aparentemente, tudo sempre esteve perfeito. Marcel tinha uma boa saúde. Amiguinhos na escola. Uma criança normal. De uns tempos para cá ele começou a manifestar um comportamento diferente. Ficou mais introvertido e revelando certa ansiedade. Há duas semanas, bem no meio da madrugada ela ouviu um grito repentino. Muito assustada correu até o seu quarto de Marcel. Ele estava com uma expressão de pavor, suando frio e paralisado. Aquele quadro desestabilizou Beatriz. Abraçou o filho, bem apertado, e assim ficaram por longos minutos. Depois de um tempo abraçados, tudo voltou ao normal. Adormeceram agarradinhos! No dia seguinte, aparentemente tudo estava bem. Só que daquela noite em diante, esse quadro foi se repetindo quase todas as noites. Ele sempre se acalmando com a presença da mãe e com seus beijos. Sua preocupação aumentou na noite que antecedeu a sua vinda ao meu consultório. Naquela madrugada Marcel teve um agravamento desses sintomas. Uma crise intensa e mais prolongada. Diante disso, ela, assustada, veio buscar orientação. Percebeu ele mais calado durante a última semana, mas não relacionou com as crises. Quando ela perguntava se estava bem, ele sempre respondia que sim. Beatriz tinha dificuldades de aceitar que houvesse problemas com o filho. Segundo ela, isso começou do nada. Estava tentando buscar o motivo pelo qual o seu menino não estava bem. Ela estava visivelmente alterada e falando muito rápido. Comecei a investigar primeiramente sobre o clima emocional dentro de casa. Como andava o relacionamento dela com o marido. Do pai com o menino. Na escola. Esses são aspectos muito importantes para a saúde psicológica da criança. Nesse momento ela me respondeu que o casal vivia como se fosse uma ” lua de mel”. Que tinham optado em ter só um filho pra sobrar mais tempo para ela e o marido namorarem muito! Como mãe, sempre fez de tudo para que seu filho crescesse saudável e feliz. Sacrificou-se! Muitas vezes comprou presentes caros, comprometendo o orçamento do mês. Fazia questão de mimá-lo e satisfazer até o seu menor desejo. Na escola, que ela soubesse, estava tudo bem. Não podia se sentir culpada! Estava inconformada. Na verdade estava sentindo que falhou como mãe. Esse aspecto estava vindo como prioridade em seu depoimento. “Como o seu filho tão bem cuidado tinha ficado doente?”. No transcorrer do nosso papo indaguei-lhe sobre o dia-a-dia de Marcel. Seus gostos e hábitos. Alimentação. Atividades físicas. Hora de dormir. Brincadeiras. Tudo sobre sua rotina. Ela expressou uma certa interrogação no olhar, como se eu tivesse duvidando de sua capacidade de educar. Relatou que selecionava com cuidado as refeições para não serem calóricas demais. Não entedia porque ele estava meio gordinho! Não podia ser o chocolate “pequeno” que ele comia após as refeições. Mantinha sempre um mesmo horário em tudo. Tarefa escolar pronta? Momento de brincar. Daí valia a escolha de Marcel. Atividades físicas, só na escola. Todos os dias, nos momentos de brincar, ele queria mesmo os joguinhos eletrônicos. De preferência com muita ação. Violentos! Invariavelmente ela permitia. Disse que sentia o maior prazer ao ver a “felicidade” dele sempre que conseguia destruir o inimigo. Continuando com o seu relato, num tom de orgulho, falou que seu homenzinho amava filmes de terror, também! Eles assistiam juntos quase todas as noites. Sempre o filme escolhido por Marcel. Normalmente após o jantar. Já tinha virado um vício! Ela fazia questão de assistir com ele. Achava a maior graça quando. em algumas das cenas de medo. ele fechava os olhos e se agarrava nela. Adorava acolhe-lo nesses momentos. “Parecia um bebê”! Esse era o momento mais cúmplice deles. Miguel, seu marido, trabalhava até tarde. Marcel esperava o pai chegar em casa. Invariavelmente, assim que ele chegava, dava um beijo rápido no filho e ela e o marido colocava o filho pra dormir. Perfeito, segundo ela! Depois disso, tempo para os pombinhos. “Beatriz em sua fala, expressava uma preocupação anormal em nunca frustrar o filho e nem o marido”. Não aguentava vê-los tristes ou aborrecidos! Assim que Marcel adormecia ela estava disponível totalmente para o marido. Iam direto para a cama. Mesmo ela não gostando de fazer sexo antes do jantar. “Era obrigação dela como mulher!” Vivia pra satisfazer seus dois homens! Num certo momento, interrompi o nosso papo. Percebendo sua fala e respiração muito aceleradas e tensas, propus respirarmos juntas. Numa posição de eixo, sentadas com a coluna ereta, apoiadas no cóccix, “inspiramos e expiramos”! Ritmo pausado. Assim ficamos por alguns minutos. Foi salutar! Seu rosto mudou de expressão e se encheu de energia. Depois disso ela conseguiu me escutar e coordenar melhor as idéias. Retomamos. Terminando o seu relato, expressou uma expectativa muito grande em me ouvir. Expliquei-lhe como joguinhos eletrônicos em excesso podem ser nocivos ao sistema cerebral e emocional. Estimulam pontos importantes e inconscientes. Disse que, na idade de Marcel, há uma gama incrível de fantasias sobre o medo e do próprio medo. Expliquei que a relação entre a excitação que os joguinhos provocam e os filmes de terror, vistos continuamente, podem gerar uma super dose de estímulos psicoemocionais, numa criança na idade do filho dela. Essa poderia ser uma das causas do quadro emocional que ele estava apresentando. Cenas contínuas de disputas, de agressividade e do estímulo do medo podem mobilizar emoções contidas e fantasias intensas. Nessa fase há dificuldades de processamento bio-psíquico dos sentimentos. Podem surgir desorganização energética resultando nos diversos quadros de ansiedade, em seus vários níveis. “A criança absorve o medo e não o processa adequadamente”! Isso vai melhorando de acordo com o amadurecimento do sistema psíquico. Absorve as sensações e quando muito intensas, não consegue processar de acordo com a realidade, mobilizando emoções e compensando com fantasias internas. Claro, a ansiedade pode estar também relacionada a outras experiencias vividas. Sugeri mudanças básicas no padrão de diversão de seu filho. Substituir por brincadeiras criativas e esportes ao ar livre. Preservar muito o contato do amor! Amor de contato quente e firme. Super proteção não é amor! Se ainda assim não houvesse melhoras num curto prazo, tinha um caminho muito salutar: ludoterapia. Através de jogos e desenhos a criança se expressa melhor! Consegue trazer à luz situações emocionais que não conseguiria verbalizar. De repente, Beatriz me interrompeu. Esboçando um sorriso meio amargo expressou baixinho: – Acho que não fui boa mãe! Repetiu várias vezes a mesma frase. Em seguida, continuando, disse que sempre se cobrou muito na educação de Marcel. Não estava aguentando a angústia em perceber que tinha errado. Tinha apostado que satisfazendo todos os desejos de seu filho e evitando frustrações, estaria fortalecendo o seu psicológico. Nunca tinha se questionado sobre se joguinhos e cenas de filmes de terror poderiam desequilibrar o emocional de seu filho. Na verdade, ela estava profundamente frustrada. Se auto cobrava muito. Enquanto se colocava, veio abruptamente um choro contido por soluços que me diziam de sentimentos presos em seu peito. Entendi que não era só a sua auto-cobrança como mãe, mas, principalmente a rigidez com que encarava essa função. Rigidez com que encarava a vida! Percebi outras frustrações que não poderiam ser tocadas naquele momento. O quadro de terror noturno de seu filho estava sendo a ponta do iceberg, mexendo em sua auto-imagem e estrutura emocional. Me aproximei, coloquei as minhas mãos entre as dela e olhando bem no fundo de seus olhos convidei-a:- MÃE, QUER CONHECER BEATRIZ?